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Tablets em sala de aula: será que podem ajudar alunos?

Lucas Martins do Nascimento

30 de Outubro de 2019

Uma das principais características das pesquisas sobre videogames (ou jogos digitais) é o fato de não serem realizadas em contexto escolar, dado que costumam ser desenvolvidas em laboratórios de pesquisa. Um estudo prévio realizado com o público infantil em 2003  demonstrou que a prática com jogos digitais desenvolvidos para incrementar habilidades de matemática básica e compreensão em leitura em sala de aula apresentou resultados positivos. Mais especificamente, a prática com estes jogos em sala de aula com duração de 15 minutos diários, no decorrer de três meses, apresentou benefícios para o desempenho em matemática, leitura e escrita. Sendo assim, uma outra pergunta seria: o contato com videogames em sala de aula pode trazer benefícios para a atenção sustentada de alunos de educação infantil?

Para responder esta questão, pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), da cidade de Florianópolis, tiveram a colaboração de 71 estudantes do segundo e terceiro ano da educação básica, com idades entre sete e nove anos. Dentre os critérios de inclusão, estavam: a) ser um aluno vinculado à educação primária; b) consentimento dos pais assinado; c) possuir contato com tecnologia em casa. Os critérios de exclusão foram: a) não estar presente ou não colaborar com etapas de avaliação e treinamento; b) possuir comorbidades neuropsiquiátricas ou transtornos mentais.

Na primeira etapa da pesquisa, houve um encontro com pais e alunos para elucidar os detalhes do estudo, bem como coletar a devida autorização dos pais ou responsáveis. Os alunos foram divididos em grupo controle (GC) com 41 alunos (18 meninos) e grupo de treino (GT) com 30 alunos (16 meninos). Para a primeira avaliação, todos participantes responderam o teste D2 em uma aplicação coletiva.


O teste D2 (figura 1) foi utilizado para avaliação da atenção sustentada. Neste teste o respondente observa uma página com vários estímulos. Entre eles, há estímulos-alvo (p.e., uma determinada letra) distribuídos entre outros estímulos diferentes considerado distratores. O participante deve marcar apenas o estímulo alvo no decorrer da página. O participante tem 20 segundos para responder cada linha marcando os estímulos corretos. A pontuação do desempenho neste teste é calculada em quatro variáveis: número de alvos marcados (escore bruto), número de alvos não marcados (erros de omissão), número de não-alvos marcados (erros de comissão) e a diferença entre respostas corretas e erradas (escore total).

 

Após aplicação do Teste D2, O GC manteve a rotina normal de sala de aula, enquanto o GT teve contato com jogos da plataforma Escola do Cérebro (www.escoladocerebro.org) em um tablet, por 15 minutos diários no decorrer de seis semanas. Em cada semana o jogo praticado era definido pelos pesquisadores, enquanto a criança escolhia a dificuldade que praticava este jogo (fácil, médio, difícil). Na última semana de intervenção as crianças escolheram o jogo praticado. Os jogos utilizados foram:


1. Connectome: o desafio é rotacionar os neurônios para formar um caminho de passagem para a sinapse.

 

 

 

 

 

Figura 1. Jogo Connectome (disponível em www.escoladocerebro.org).

2. Joaninha: o desafio é mover as peças para liberar a passagem da joaninha pela floresta.

 

 

Figura 2. Jogo Joaninha (disponível em www.escoladocerebro.org).

 

3. Breakout: o desafio é quebrar o máximo de blocos possíveis acertando a bola com uma barrinha no canto inferior da tela, sem deixar a bola sair da tela.

 

Figura 3. Jogo Breakout (disponível em www.escoladocerebro.org).

 

4. LookTable: o desafio é clicar rapidamente na tela localizando a sequência de números crescentes.

 

Figura 4. Jogo LookTable (disponível em www.escoladocerebro.org).

 

5. Genius: o desafio é memorizar e repetir a sequência de cores e sons.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Figura 5. Jogo Genius (disponível em www.escoladocerebro.org).

 

Após o período de seis semanas, ambos os grupos foram novamente avaliados no Teste D2 e a pesquisa foi encerrada. Para processar os resultados utilizou-se o teste estatístico ANOVA de medidas repetidas, investigando o efeito de grupo (GC ou GT) e período (pré ou pós-intervenção com jogos digitais). Como resultado verificou-se que após a intervenção de seis semanas o GT apresentou melhoras significativas na segunda avaliação do Teste D2 em comparação ao GC. Estes incrementos atencionais foram observados no índices de  escore bruto e escore total, conforme ilustrado na figura 6.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Figura 6. Resultados do escore total no Teste D2 pré e pós-intervenção do GT e GC

(Adaptado de Ramos & Melo, 2019).

 

Segundo os autores, os benefícios atencionais observados na pesquisa não são justificados especificamente pelos tipos de jogos escolhidos e praticados no período de seis semanas. Eles defendem a tese que o principal fator para estes resultados foi o treino repetido diariamente pelos alunos, pois estes tinham que focar a atenção no tablet enquanto ocupavam o espaço de sala de aula. Tendo em vista que na sala de aula costuma haver muitas distrações (colegas falando, pessoas andando, etc), o exercício de concentração proposto pelos pesquisadores para os alunos se dedicarem aos jogos do tablet pode ter sido crucial para os benefícios atencionais observados.  


Segundo os autores, os tablets foram recursos ágeis, de fácil aplicação e que não demandaram a inserção de novos profissionais em campo. Sendo assim, concluem que a inserção de jogos digitais na rotina escolar pode ser um recurso complementar capaz de proporcionar benefícios atencionais ao público infantil.

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Para refletir...

Implicações

Jogos digitais podem envolver decisões dinâmicas, diversão e desafios que os tornam de fácil aderência para escolas, porém poucas pesquisas de fato os avaliaram neste contexto. Esta pesquisa demonstra que pode ser interessante usar as tecnologias dentro da própria sala de aula, de modo integrado ao currículo. No entanto, para além do domínio da atenção, muitos outros impactos cognitivos podem ser investigados futuramente.
 

Tendo em vista que em diversos estados no Brasil o uso de celular em sala de aula é proibido, é possível repensar esta proibição, de modo a otimizar a integração entre novas tecnologias e os meios de ensino. Plataformas gratuitas como a Escola do Cérebro, desenvolvida pela Universidade Federal de Santa Catarina, são um exemplo dessa possibilidade.

Limitações da pesquisa

Algumas limitações devem ser consideradas:


1. O critério de inclusão c, “possuir contato com tecnologia em casa”, foi descrito de forma vaga, sem especificar o que é compreendido por “tecnologia”.

 

2. Não controlou-se o contato com outros jogos digitais além da escola. Diversas pesquisas prévias indicam que a prática regular com videogames pode impactar na atenção, portanto esta é uma variável que deveria ser controlada na pesquisa;

 

3. Testes computadorizados poderiam complementar a avaliação da atenção realizada exclusivamente pelo Teste D2;

4. A pesquisa limitou-se aos impactos dos jogos digitais sobre a atenção sustentada. Pesquisas futuras podem investigar outros tipos de atenção, bem como outros domínios cognitivos;

5. Pesquisas futuras podem promover intervenções além do período de seis semanas, bem como realizar follow-ups, verificando se os benefícios atencionais constatados no GT mantêm-se em acompanhamentos futuros;

6. No decorrer do artigo é informado que os escores nos jogos da Escola do Cérebro foram calculados com base em tempo, velocidade, estabilidade e acurácia. Segundo os autores, estes indicadores foram utilizados para medidas de desempenho cognitivo, tal como atenção, resolução de problemas e memória de trabalho. No entanto, nenhuma destas informações de desempenho foram exploradas nos resultados, discussão ou conclusão do artigo.

Materiais Complementares

Caso você tenha ficado curioso(a) sobre a Escola do Cérebro, clique aqui para acessá-la. Esta plataforma foi desenvolvida pela UFSC e seu acesso é totalmente gratuito. Cadastrando-se você terá acesso aos jogos, avaliações, ranks e estatísticas. A Escola do Cérebro pode ser acessada pelo site ou pelo aplicativo no Google Play.

 

Para conhecer outros materiais complementares, clique aqui!

Como citar este texto:

 

Nascimento, L. M. (2019). Tablets em sala de aula: será que podem ajudar alunos? (Website Alfabetização Científica em Psicologia). Recuperado de: 

https://alfabetizacaopsico.wixsite.com/home/materia-8

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Referência:

O artigo Can digital games in school improve attention? A study of Brazilian
elementary school students
, de Ramos & Melo (2019), pode ser lido na revista Journal of Computers in Education clicando aqui. 

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