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Videogames: os benefícios são consistentes?

Lucas Martins do Nascimento

14 de Dezembro de 2017

Em nosso cotidiano lidamos com muito mais estímulos do que poderíamos processar. Neste contexto, a atenção visual é como um filtro para nossa percepção, selecionando quais estímulos serão processados. Há algumas décadas investiga-se os efeitos dos jogos para nossa cognição, com fortes indícios que a prática regular de videogames gera alterações na atenção visual. Mas como isso ocorre exatamente? Estas alterações são positivas ou negativas?

 

A literatura científica é muito diversificada no estudo dos videogames, com diferentes paradigmas e resultados que, por vezes, se contradizem. Um estudo (Green & Bavelier, 2003) comparando jovens adultos jogadores regulares de videogame (JVGs) com não jogadores (NJVGs) verificou que o primeiro grupo possui melhor atenção visual, mais resistência para utilização de seus recursos atencionais visuais e menor tempo de processamento de informação visual. Já outra pesquisa (Castel, Pratt e Drummond, 2005), com o paradigma de Inibição do Retorno (IOR), constatou que JVGs precisam de menor tempo de resposta para estímulos alvo, assim como para identificação de letras-alvo entre distratores. Porém, contrariando as conclusões de Green e Bavelier (2003), estes pesquisadores sugerem que JVGs e NJVGs contam com mecanismos semelhantes para guiar a atenção visual.

 

Tendo em vista estas e outras pesquisas na área, as incertezas relacionadas aos efeitos da prática regular de videogames se mantém nesse campo. Diante deste contexto, um estudo da Universidade Estadual de Maringá publicado na revista Psicologia em Estudo em 2010 teve o objetivo de verificar o desempenho de JVGs e NJVGs em um teste de atenção sustentada, com destaque para dados sobre a atenção visual.

 

Este estudo contou com a colaboração de 20 crianças com idades entre 10 e 16 anos, entre a 5ª série do Ensino Fundamental e 2º ano do Ensino Médio e de classe socioeconômica baixa. O grupo controle foi composto por crianças que praticavam videogame há pelo menos seis meses e o grupo experimental foi composto por crianças que nunca tiveram experiência com nenhum videogame ou jogos de celular e que aprenderiam a jogar após um treino realizado durante a pesquisa. O grupo de JVGs (controle) foi formado a partir do critério de sorteio da instituição enquanto os NJVGs (experimental) foram selecionados por conveniência.

 

A fim de avaliar a atenção sustentada utilizou-se um notebook para aplicar o Conners’ Continuous Performance Test – CPT II. Os participantes foram orientados a apertar a barra de espaço toda a vez que letras aparecessem na tela do computador, com exceção da letra “X” (momento em que deveriam inibir a resposta de apertar a tecla). Os estímulos (letras) apareciam por 250 milissegundos. A tarefa ocorreu em seis blocos, e cada bloco continha três sub-blocos com 20 tentativas. Cada sub-bloco possuía intervalo de apresentação do estímulo de 1, 2 ou 4 segundos, os quais foram apresentados com ordem diferente em cada um dos blocos.

Exemplo de um bloco do experimento:

Em seguida, apenas membros do grupo experimental (de NJVGs) foram submetidos a uma exposição aos jogos “Madagascar” e “Harry Potter e o Cálice de Fogo”, por 20 sessões com duração de 50 minutos por dia, três vezes por semana, uma frequência similar à qual os membros do grupo de JVGs estavam habituados. Após este período, o grupo experimental foi novamente submetido ao CPT para uma avaliação pós-intervenção.

 

Como resultado da comparação entre JVGs e NJVGs na condição pré-intervenção, verificou-se diferenças significativas entre os grupos, em que JVGs obtiveram melhores resultados com menos erros por omissão e menor tempo de resposta no teste CPT II. Estes resultados já haviam sido verificados na literatura científica, e a compreensão sobre este fenômeno se dá pela melhor coordenação entre mãos e olhos adquirida pelos JVGs, assim como menor tempo no processamento de informações visuais.

 

Após o treinamento com videogames realizado pelo grupo de NJVGs, houve melhoras significativas na redução dos erros por omissões, erros por ação, tempo de resposta, variabilidade e aumento da detectabilidade em comparação aos dados prévios ao treinamento. Por fim, em uma análise comparando o grupo de JVGs e NJVGs após a intervenção com videogames, observou-se as variáveis omissões e tempo de resposta foram igualadas. Para as demais variáveis verificou-se que o grupo de NJVGs pós-intervenção obteve escores melhores em erros por ação, detectabilidade e variabilidade em comparação ao grupo de JVGs. Os autores afirmam que os incrementos cognitivos observados neste estudo por meio de uma intervenção com videogames já haviam sido atestados em pesquisas anteriores, e relacionam estes benefícios ao aumento da capacidade de atenção visual promovida pela prática com videogames.

 

Como conclusão, esta pesquisa se demonstrou alinhada com grande parte das pesquisas da atualidade, verificando benefícios extraídos do contato com a tecnologia dos videogames para os recursos atencionais. Por fim, os autores recomendam que outras pesquisas complementem os entendimentos sobre os efeitos do videogame para a cognição.

Para refletir...

Implicações

De acordo com os autores, os achados deste estudo devem contribuir com métodos para reabilitação cognitiva, tendo a vista a variedade de habilidades cognitivas significativamente influenciadas de forma positiva pelo contato com videogames. Este e diversos outros estudos demonstram que os videogames possuem grande aderência entre crianças e jovens, fortalecendo a possibilidade de incrementar a utilização dos jogos como instrumento complementar às práticas tradicionais de ensino. 

Limitações da pesquisa

Algumas limitações devem ser consideradas:


1. Segundos os autores, uma limitação desta pesquisa foi a ausência de controle sobre a frequência e tempo de exposição ao videogame para além dos 6 meses que caracterizaram o grupo de JVGs.

 

2. Uma segunda limitação pontuada pelos autores foi o desconhecimento sobre como as crianças jogaram videogames durante o período de intervenção com o grupo experimental. Visto que as crianças poderiam dividir o videogame e requisitar a assistência de colegas para vencer desafios dos jogos, os pesquisadores afirmam que estas práticas podem ter gerado influências e estes comportamentos devem ser controlados em outros estudos.

 

3. Conforme pontuado no item anterior (2), os relatos dos pesquisadores indicam preocupações sobre a intervenção com NJVGs diante da possibilidade de compartilhamento de videogames entre os participantes. Estes comportamentos poderiam ter sido investigados nesta pesquisa, não apenas para o controle de variáveis, mas também verificar possíveis benefícios sociais em torno dos jogos, tais como habilidades interpessoais de comunicação e liderança, assim como valores de compartilhamento e aprendizagem de regras.

 

4. Por fim, os autores observaram mais sudorese nas mãos dos JVGs durante o teste, podendo ser um indicador de ansiedade. Estes dados não foram avaliados por autorrelatos ou equipamentos para mensuração de biomarcadores.

Materiais Complementares

Video: Your brain on video games de Daphne Bavelier

 

Esta palestra da pesquisadora Daphne Bavelier rompe uma série de mitos em torno dos videogames, tal como a prática regular de videogames e sua relação com a qualidade da visão. Ela explica que na dosagem certa, videogames são poderosos instrumentos para incrementar a plasticidade do cérebro, habilidades multitasking, capacidade de aprendizagem, atenção, visão entre outros aspectos, além de salientar como todos estes conhecimentos científicos estão orientando o desenvolvimento produtos que devem chegar ao mercado em busca do equilíbrio entre diversão e saúde.

Para conferir este vídeo, clique aqui. 

Para conhecer outros materiais complementares, clique aqui!

Como citar este texto:

 

Nascimento, L. M. (2016). Você presta atenção no seu coração? (Website Alfabetização Científica em Psicologia). Recuperado de: 

http://alfabetizacaopsico.wixsite.com/home/materia-5

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Referência:

O artigo Videogame e sua influência em teste de atenção, de Alves & Carvalho (2010), pode ser lido na revista Psicologia em Estudo clicando aqui. 

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