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Como psicoterapeutas aplicam mindfulness em sua prática clínica?

Mariana Ladeira de Azevedo

21 de Julho de 2019

A prática de mindfulness tem sido bastante comentada nos grandes meios de comunicação e a pesquisa sobre o tema ganhou força nas últimas décadas através dos estudos sobre os chamados Programas Baseados em Mindfulness (PBM) e Programas Informados em Mindfulness (PIM). Os PBMs concentram-se na prática sistemática de técnicas formais e informais de mindfulness e possuem uma duração específica, geralmente variando de oito a dez semanas. Os PBM mais conhecidos são Redução do Estresse Baseada em Mindfulness (MBSR), desenvolvido por Jon Kabat-Zinn na década de 1980, e Terapia Cognitiva Baseada em Mindfulness (MBCT), desenvolvido por Segal e colegas na década de 1990. Já os PIMs são informados por princípios teóricos de mindfulness e podem incluir algumas práticas, mas não se resumem a elas. São modelos psicoterapêuticos, como a terapia Dialética Comportamental (DBT), de Marsha Lineham, e a Terapia da Aceitação de Compromisso (ACT), mais difundida por Steven Hayes. Esses dois conjuntos de programas aplicam técnicas de mindfulness de forma diferente, variando em termos de duração e de intensidade requerida, como prática de casa. 

 

Quanto se trata do uso de mindfulness pelo profissional de saúde mental, Germer (2016) sugere três formas de integrar mindfulness na psicoterapia:

• Mindfulness do terapeuta, onde a prática pessoal do terapeuta favorece a presença e fortalece a relação terapêutica;
• Aplicação da Psicologia Budista e teoria de mindfulness como abordagem teórica que fundamenta a prática clínica do terapeuta;
• Uso de técnicas de mindfulness com o cliente ao longo do processo da psicoterapia.

Como a maioria das psicoterapias é oferecida individualmente, seria importante investigar o uso de práticas de mindfulness neste cenário. Pouco se sabe sobre o uso de mindfulness na psicoterapia clínica individual. Também não há publicações sobre a prática pessoal de mindfulness por psicoterapeutas. A prática pessoal do profissional que aplica clinicamente técnicas de mindfulness é um requisito – praticar o que se ensina.

Com base nestas justificativas, um estudo realizado por Johannes Michalak e sua equipe, entrevistando psicoterapeutas clínicos alemães, buscou investigar de que forma programas e técnicas de mindfulness são aplicadas na prática clínica individual. Além disso, procuraram analisar se o sexo, a idade ou a orientação teórica terapêutica estão associados à integração das técnicas de mindfulness na prática clínica ou à prática pessoal de mindfulness pelo psicoterapeuta.
 

Inicialmente, os pesquisadores hipoterizaram que uma proporção relativamente alta de terapeutas usaria técnicas de mindfulness na clínica e que a aplicação de mindfulness em psicoterapia seria diversificada em termos de técnicas usadas, formatos de aplicação/entrega e áreas-alvo/indicações. Também esperavam que muitos terapeutas usariam elementos e práticas isolados derivados de MBSR, MBCT e DBT e os integrariam na psicoterapia individual e que muitos terapeutas não teriam o nível diário de prática pessoal de mindfulness formal que é frequentemente recomendado.

Para realizar este levantamento, a equipe da pesquisa elaborou um questionário com duas partes: uma parte avaliou as práticas de mindfulness usadas na psicoterapia, e a outra parte avaliou a prática pessoal de mindfulness pelos psicoterapeutas. O questionário foi enviado a psicoterapeutas habilitados para prática clínica na Alemanha, localizados na região Oeste do país, equivalente aproximadamente a 10% dos terapeutas alemães. As características demográficas da amostra eram comparáveis a toda a população de psicoterapeutas da Alemanha. Dos 400 profissionais selecionados, 62 respondentes foram considerados válidos para os resultados.
 

Dos 62 entrevistados, 51 (82%) relataram integrarem práticas de mindfulness em seu trabalho clínico. Destes, a maioria tinha abordagem Psicodinâmica ou Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC). Não houve diferenças estatisticamente significativas nas taxas de integração de mindfulness entre terapeutas mulheres e homens ou entre diferentes grupos etários. Dos que aplicam, quase 40% (20 profissionais) usam com 11% a 30% de seus clientes. Quanto à frequência de aplicação, um (2%) usou em todas as sessões, nove (18%) usaram frequentemente (pelo menos a cada duas sessões) e 41 (80%) usaram ocasionalmente.

 

Já quanto à prática pessoal de mindfulness, 43 (69%) terapeutas relataram praticar. A prática pessoal também estava significativamente relacionada à abordagem terapêutica, sendo a maioria da abordagem Psicodinâmica e TCC. Também não houve diferenças estatisticamente significativas nas taxas de prática de mindfulness pessoal entre terapeutas mulheres e homens ou entre diferentes grupos etários. Dentre os terapeutas que relatam prática pessoal, a prática esteve mais relacionada com os programas MBSR/MBCT (18; 42%) e meditação Zen (30; 30%).

Em sua prática pessoal, os terapeutas usaram mais técnicas informais (36; 84%), seguida por práticas envolvendo consciência do corpo, como o escaneamento corporal e Yoga/Qi Gong (26; 61%). Práticas informais são aquelas que integram consciência, momento a momento, de atividade rotineiras como caminhar, comer ou escovar os dentes. Com relação à frequência, a maioria (16; 37%) praticou, pelo menos, duas vezes por semana; ou, pelo menos, duas vezes por mês ou menos (13; 30%). A duração média das práticas de mindfulness foi entre 11 min e 30 min (23; 54%), seguido por 10 min ou menos (17; 40%). As principais motivações para a prática pessoal foram: lidar com o estresse (31; 72%) e por motivos de saúde (25; 58%). Como esperado, muitos (42 de 43 [97%]) dos terapeutas que relataram ter prática pessoal de mindfulness também incluíram a técnica na terapia. Além disso, nove dos 19 (47%) terapeutas que não praticaram mindfulness incluíram-no na terapia.

 

Com base nos resultados, os pesquisadores observaram que as descobertas empíricas sobre programas baseados em mindfulness parecem ter convencido muitos psicoterapeutas a integrá-lo em sua prática. Contudo, a aplicação individual de técnicas derivadas de programas de mindfulness não é um formato baseado em evidências. Isso porque os estudos foram realizados quase que totalmente num formato grupal com duração média de oito semanas, como é o caso do MBSR ou MBCT. Como esperado, até os terapeutas que não possuem prática pessoal aplicam técnicas de mindfulness em suas psicoterapias, o que contraria as recomendações internacionais para o ensino de programas baseados em mindfulness. Por outro lado, pode haver um perigo específico associado ao aumento do interesse em mindfulness. Essas constatações apontam para o risco do “precipício de implementação” (Implementation Cliff) que frequentemente ocorre quando as intervenções se movem através do processo da ciência clínica e quando restrições de recursos definem o padrão de treinamento em níveis progressivamente mais baixos. Esse conjunto de fatores pode resultar na aplicação de formas diluídas de práticas de mindfulness no cenário clínico. Embora exista o desejo de muitos terapeutas em integrar e harmonizar os princípios e práticas de mindfulness com os princípios e técnicas terapêuticas em que são treinados, a longo prazo alguns profissionais podem usar formas superficiais de mindfulness sem entrar em contato com seu potencial mais profundo, ou muitos pesquisadores podem integrar uma versão light de componentes de mindfulness como parte de manuais de tratamento. Um possível cenário futuro poderia ser que muitos terapeutas acreditem que estão usando mindfulness, mas, na prática, estão perdendo a essência disso.

Contudo, rejeitar todo o uso de práticas baseadas em mindfulness que não tenham sido validadas por estudos empíricos rigorosos pode desperdiçar o seu potencial dentro da terapia individual, ajudando mais pessoas. Logo, os autores sugerem o desenvolvimento de orientações (guidelines) para auxiliar profissionais de saúde e pacientes na tomada de decisão sobre o uso de mindfulness na clínica. A sugestão é que os guidelines cubram aspectos como a) problemas clínicos para os quais a integração de mindfulness poderia ser útil; b) orientações para formulação de caso; harmonizar apropriadamente os objetivos de mindfulness com os objetivos terapêuticos de outras intervenções que são aplicadas em um determinado caso; qualificações clínicas adequadas dos instrutores de mindfulness; experiência pessoal adequada com mindfulness e prática pessoal; entre outros.

Em resumo, um número considerável de terapeutas integra mindfulness em seu trabalho. No geral, esses resultados preliminares indicam que as práticas mindfulness são uma parte significativa da realidade clínica contemporânea. Talvez isso reflita um interesse autêntico no tema pela comunidade terapêutica e pela sociedade como um todo, que talvez os pesquisadores da área não tenham previsto 20 anos atrás. No entanto, também existem perigos associados a esse interesse crescente no uso terapêutico de mindfulness. O campo de mindfulness deve estar ciente das promessas e das possíveis armadilhas deste desenvolvimento e deve tentar encontrar uma resposta salutar a ele.

Para refletir...

Implicações

Esta pesquisa aponta para a necessidade de capacitar psicoterapeutas sobre práticas baseadas em evidências, uso de mindfulness e requisitos de utilização na prática clínica.

 

Também sugere a possibilidade interessante de estruturar orientações sobre uso de mindfulness na prática clínica para guiar terapeuta e cliente na decisão de usar tais técnicas – assim como ocorre com guidelines já existentes para condução de PBMs.

 

Além disso, talvez a prática de mindfulness possa ser reconhecida e recomendações de uso possam ser feitas por entidades que regulamentam a prática da psicoterapia clínica.

Limitações da pesquisa

Algumas limitações devem ser consideradas:


1. Os resultados não podem ser generalizados para a população geral de psicoterapeutas da Alemanha ou de outros países.


2. Os terapeutas classificaram sua integração de práticas de mindfulness retrospectivamente nas sessões, relembrando suas práticas clínicas. Futuramente, a avaliação da integração poderia ser melhorada dando aos terapeutas diários para registrar seu uso de práticas de mindfulness.
 

3. Houve baixa taxa de resposta: 16% (comparado com 30% esperado para pesquisas online).
 

4. O fenômeno chamado “saliência do tópico” é um item de limitação em pesquisas online, já que é mais provável que terapeutas com interesse no tema respondam ao questionário.

Materiais Complementares

A UK Network for Mindfulness-Based Teacher Training Organisations é a referência internacional em melhores práticas para profissionais que ensinam e aplicam programas baseados em mindfulness. No Brasil, as diretrizes estão sendo divulgadas pela Rede Brasileira de Mindfulness. Para conhecer as diretrizes traduzidas para o Português, clique aqui.

Para conhecer outros materiais complementares, clique aqui!

Como citar este texto:

 

Azevedo, M. L. (2019). Como psicoterapeutas aplicam mindfulness em sua prática clínica?  (Website Alfabetização Científica em Psicologia). Recuperado de: https://alfabetizacaopsico.wixsite.com/home/materia-7-meditacao-mindfulness

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Referência:

O artigo (How) Do Therapists Use Mindfulness in Their Clinical Work? A Study on the Implementation of Mindfulness Interventions, de Michalak, Steinhaus, & Heidenreich (2018), pode ser lido na revista Mindfulness clicando aqui. 

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