top of page

Como adultos usam meditação?

Mariana Ladeira de Azevedo

20 de Julho de 2019

Evidências científicas sugerem que a prática de meditação resulta em benefícios substanciais para seus usuários. Estudos mostram que meditação pode ser um complemento para o tratamento de doenças mentais, particularmente para transtornos de humor e de ansiedade. Embora haja alguma evidência de que a prática de meditação pode agravar algumas condições mentais, é amplamente considerada como uma prática segura.

 

Dada a vasta indicação de uso da meditação, as evidências de sua eficácia para várias condições de saúde e a facilidade para sua utilização, seria possível supor que muitas pessoas da população em geral buscam e fazem uso da meditação. É com base nesta ideia que um grupo de oito pesquisadores da Universidade de Duisburg-Essen (Alemanha) e da Universidade de Tecnologia de Sidnei (Austrália) propuseram uma pesquisa para investigar a prevalência do uso de meditação por parte de adultos estadunidenses. Segundo os autores Lima-Costa e Barreto (2003), estudos de prevalência ajudam a entender condições relacionadas à saúde de uma determinada população num lugar e tempo específicos, descrevendo as características dos indivíduos associados a tal prática. Neste sentido, Cramer e colaboradores (2006) buscaram confirmar se há associação entre meditação e características populacionais como idade, gênero, etnia, região de residência, nível educacional e comportamentos de saúde.

 

Utilizando como base os dados de uma pesquisa nacional em saúde realizada nos Estados Unidos no ano de 2012, eles propuseram explorar a prevalência de uso, padrões de uso e práticas específicas de meditação utilizadas nos últimos 12 meses e durante a vida na população geral dos EUA. Também visaram identificar os motivos para usar a meditação, os preditores do uso e os resultados autorrelatados da prática da meditação.

Anualmente, o Centro Nacional para Estatísticas de Saúde (NCHS), integrante do Centro de Controle Prevenção de Doenças do Instituto Nacional de Saúde (NIH) dos EUA, conduz uma pesquisa com 30 a 40 mil residências para questionar sobre a saúde de seus moradores. Essa pesquisa é chamada National Health Interview Survey (NHIS) e, a cada cinco anos, a NHIS inclui questões sobre saúde integrativa e complementar da população. Este estudo complementar foi realizado, até o momento, nos anos 2002, 2007, 2012 e, mais recentemente, 2017.

 

A NHIS é um estudo realizado apenas com residentes dos EUA, respeitando a distribuição da população por área (o que caracteriza uma amostragem por “representatividade”) utilizando como parâmetro de distribuição o censo. A cada 10 anos, conforme é feito um novo censo, a amostragem da pesquisa é redesenhada. No ano de 2012, foram coletadas respostas de 34.525 adultos, equivalendo a uma taxa de resposta de 79.13%.

 

A pesquisa é composta por duas partes. A primeira parte apresenta questões centrais, como dados sociodemográficos da família em geral, dados sociodemográficos individuais de cada membro da família, dados sobre a saúde da família, acesso/uso dos serviços de saúde, estado e comportamentos de saúde dos adultos e estado e comportamentos de saúde das crianças. A segunda parte apresenta questões suplementares que representam temas emergentes de saúde pública, como mapeamento da ocorrência de câncer, práticas integrativas e complementares (PIC), saúde mental infantil e utilização dos serviços de saúde.

 

Para a pesquisa, 600 entrevistadores supervisionados por seis escritórios regionais do Census Bureau realizaram entrevistas domiciliares presenciais. Neste tipo de entrevista pessoal assistida por computador (laptop), os participantes inserem as respostas diretamente no computador durante a entrevista. A participação era voluntária e a confidencialidade dos dados era garantida por lei de saúde pública dos Estados Unidos. Para o questionário familiar, os membros adultos da família (idade maior ou igual a 17 anos) que estavam em casa no momento da entrevista foram convidados a participar e a responder por si mesmos. Para crianças e adultos que não estavam em casa durante a entrevista, as informações puderam ser fornecidas por um familiar adulto responsável, de idade igual ou superior a 18 anos e residentes no domicílio. Para o questionário adulto, um adulto por família foi selecionado aleatoriamente. Já para o questionário criança, as respostas foram obtidas de um adulto responsável, geralmente um dos pais.

 

A prevalência de meditação durante a vida foi determinada pelas perguntas:

“Alguma vez você usou qualquer uma das práticas abaixo, para sua própria saúde ou tratamento:

  • Meditação com mantra, incluindo Meditação Transcendental, Resposta de Relaxamento e meditação padronizada clinicamente?

  • Meditação mindfulness, incluindo Vipassana, meditação Zen Budista, Redução do Estresse baseada em Mindfulness e Terapia Cognitiva baseada em Mindfulness?

  • Meditação espiritual, incluindo Oração Centrante ou Meditação Contemplativa?”

Participantes que responderam “Sim” para qualquer uma dessas perguntas foram questionados adicionalmente sobre o seu uso nos últimos 12 meses. Participantes que responderam “Sim” foram questionados sobre treinamento formal, quantidade de aulas, motivações, condições médicas para as quais eles usaram a meditação (de um total de 88 condições possíveis) e benefícios percebidos. Note-se que Yoga é avaliado separadamente no NHIS e não foi incluso neste estudo.

 

Nos resultados sobre prevalência, 5.2% de adultos usou meditação durante a vida por motivos de saúde, representando cerca de 11.8 milhões adultos. Os tipos de prática poderiam se sobrepor, sendo que 31.9% usou dois tipos de meditação e 17.9% usou os três tipos de meditação. Meditação com mantras teve prevalência de 2.6% (representando cerca de 5.8 milhões de adultos estadunidenses), enquanto meditação mindfulness teve 2.5% de usuários (equivalente à 5.7 milhões) e meditação espiritual foi praticado por 3.7% de adultos (representando 8.3 milhões). Dos que já usaram meditação, 78.6% praticou nos últimos 12 meses (equivalendo à 9.3 milhões de adultos), sendo 1.6% mantra, 1.9% mindfulness e 3.0% espiritual.

 

A natureza dos diferentes tipos de meditação mantra (2,6%), mindfulness (2,5%) ou espiritual (3,7%) pode contribuir para a discrepância na frequência de uso. Por exemplo, a meditação espiritual pode não exigir um instrutor e pode ser feita em um ambiente privado, enquanto a meditação mindfulness ou com mantra muitas vezes exigem orientação de um profissional/instrutor e, consequentemente, são frequentemente conduzidos em um ambiente de ensino-aprendizagem. Além disso, um número maior de cidadãos estadunidenses pode perceber a oração de acordo com sua cosmovisão (principalmente cristã) em comparação com a meditação mindfulness ou mantra, que deriva principalmente das tradições espirituais budistas e/ou hindus. A maioria dos usuários pratica mais de um tipo de meditação, indicando que os três tipos diferentes de práticas de meditação não são mutuamente exclusivos.

 

Quanto aos preditores do uso, participantes que praticaram meditação eram mais prováveis de serem do gênero feminino, com idade entre 40-64 anos, de etnia branca não-hispânica, residindo no oeste dos EUA, com ensino superior e não envolvidas em relacionamento afetivo. Logo, houve confirmação da hipótese de que o uso da meditação estava associado com a idade, gênero (sexo), etnia, área de residência, educação e comportamento de saúde. Meditação é uma das cinco PICs mais comumente usadas entre adultos dos EUA (NHIS 2002, 2007, 2012). O perfil de um usuário típico de meditação é semelhante ao de um usuário geral de outras práticas integrativas e complementares. Além disso, verificou-se que participantes que praticaram meditação eram mais prováveis de sofrerem uma ou mais condições médicas, serem fumantes, não abstinentes de álcool e praticarem, pelo menos, atividade física em nível moderado. Os preditores de uso foram semelhantes entre os diferentes tipos de meditação para usuários que praticaram durante a vida e nos últimos 12 meses.

 

Sobre os padrões da prática de meditação entre indivíduos que usaram meditação nos últimos 12 meses, 16.8% consultou um profissional ou participou de aula de meditação. A frequência de consultas/participações em aulas foi de 16.7 ± 17.9 (variação = 1–52; mediana = 8) nos últimos 12 meses. O custo total de consultas/aulas por ano foi de US$ 286.2  ±  559.4 (variação = $ 0-6000; mediana = $120). Em 7.9% dos casos, o custo foi coberto pelo seguro de saúde. A aquisição de livros de autoajuda e outros materiais para aprender meditação correspondeu a 19.9% dos padrões de prática, sem custo total de US$ 45.5 ± 55.5 (variação = $0-200; mediana $20). Destes materiais, livros, revistas, jornais corresponderam a 41.7%; o uso da internet foi de 30.6%; a consulta a artigos científicos respondeu por 17.3% e o uso de DVD’s e CDs foi equivalente a 17.8%. Talvez o uso elevado de métodos autodidatas explique a baixa frequência em aulas de meditação. Com a popularidade de apps, é possível que o uso destes aumente. O impacto potencial dos aplicativos de meditação permanece em grande parte inexplorado e uma análise recente de 700 aplicativos relacionados à atenção plena identificados no iTunes e no Google Apps Marketplace revelou que apenas 4% fornecia treinamento e educação para a atenção plena (mindfulness), enquanto o restante era de aplicativos de meditação guiada, temporizadores ou lembretes com pontuações de classificação ruim. A falta de evidências de eficácia dos aplicativos de mindfulness precisa ser abordada em pesquisas e também na educação em saúde. Também pode ser valioso investigar se a meditação autodidata é tão benéfica e sustentável quanto as práticas conduzidas por um terapeuta.

 

Ainda nos padrões de prática, a maior recomendação do uso de meditação veio dos amigos (40,6%), seguido de familiares (28,9%), médicos (10,6%) e colegas (9.5%). Do total de praticantes, a minoria (34.8%) reportou a prática de meditação para seu médico. Os que não divulgaram o uso de meditação para seu médico, não o fizeram porque seu médico não perguntou (63,8%); e/ou porque considera que seu médico não precisa saber (58,3%); e/ou porque médico não sabe tanto sobre meditação quanto o participante (14,0%) e/ou por temer reações negativas ou desencorajamento da prática (<3,1%). Embora os efeitos colaterais da meditação sejam extremamente baixos ou inexistentes, ao não discutirem o uso da meditação com seu médico, os praticantes podem gerar uma barreira para a assistência de saúde coordenada e a colaboração interdisciplinar. Os benefícios da meditação também podem estar sendo negligenciados por profissionais de saúde mais tradicionais. Para o profissional de saúde, questionar ativamente sobre o uso de “outras” práticas, como a meditação, poderia facilitar uma colaboração aberta e interdisciplinar, aumentando o cuidado coordenado com pacientes crônicos.

 

Os motivos para uso da meditação foram, principalmente, para melhorar a saúde geral ou prevenir doenças (76.2%), para melhorar a energia (60.0%) e/ou melhorar memória ou concentração (50.0%). Os benefícios mais percebidos da prática foram redução do estresse ou aumento do relaxamento (89.4%), bem-estar emocional (86.9%), melhora da saúde geral ou sentir-se melhor (79.0%) e/ou dormir melhor (69.3%).  Os motivos para o uso da meditação e seus benefícios percebidos apoiam o amplo apelo da meditação por sua gama de efeitos sobre a fisiologia e a função mental em todos os grupos, desde aqueles com depressão e ansiedade até aqueles que lidam com estresse ou dor crônica. Adultos que usaram meditação mindfulness relataram resultados positivos com mais frequência quando comparados com adultos que usaram meditação por mantra ou espiritual.

 

Os problemas específicos de saúde que levaram à prática de meditação foram caracterizados como ansiedade, nervosismo ou preocupação (29.2%), estresse frequente (21.6%), depressão (17.8%), dor nas costas (12.0%), dor nas articulações (9.6%), insônia (9.4%), dor de cabeça (9.4%), seguido por outros tipos de dores e câncer. Essa aplicabilidade é consistente com a literatura que indica benefícios para estas condições de saúde. No geral, 63.6% e 30.4% relatou que meditação ajudou muito ou em alguma medida para lidar com os problemas de saúde, respectivamente.

 

Uma análise adicional dos resultados indicou que os asiáticos residentes nos EUA eram menos propensos a usar meditação em comparação com os residentes brancos não-hispânicos. Análises prévias do NHIS 2012 mostraram que, enquanto os asiáticos também eram menos propensos a praticar Yoga em comparação com os brancos não hispânicos, eles eram mais propensos a praticar Tai Chi ou Qigong.

 

Outras populações minoritárias também eram menos propensas a usar meditação, assim como os idosos. O risco cardiovascular é maior nas minorias e o risco aumenta com a idade. Dado que a meditação demonstrou diminuir os fatores de risco cardiovascular, como hipertensão, diabetes mellitus tipo 2 e dislipidemia, examinar as razões da não-utilização de meditação entre populações minoritárias e residentes idosos nos EUA parece valer a pena, já que essas populações podem se beneficiar da meditação. Cabe notar que a pesquisa de 2017 aponta um aumento no uso de meditação, totalizando 14.2% dos adultos dos EUA, mais do que o dobro do resultado de 2012.

 

Em suma, o uso da meditação por pacientes com condições crônicas de saúde talvez não seja surpreendente, uma vez que as práticas de saúde mente-corpo têm sido associadas a abordagens mais holísticas para os cuidados com estados crônicos de saúde. Contudo, a pesquisa esclarece as características do usuário de meditação. Também aponta para uma intervenção de saúde autogerida, autodidata e “oculta/secreta”, com poucos usuários revelando o uso da meditação a um profissional de saúde.

Para refletir...

Implicações

Pesquisas representativas como esta oferecem subsídio para tomada de decisão em políticas de saúde pública. Também esclarece tópicos para educação profissional orientada à multidisciplinaridade e terapias integrativas e complementares. A variedade de dados possibilita inferir alguns fatores preditores associados à prática de meditação, como o perfil de usuários. Desta forma, é possível estabelecer estratégias de educação e acesso à população classificada como minoritária em termos de uso. Uma estrutura similar de pesquisa pode ser realizada com profissionais de saúde de forma ampla ou especializada mapeando preditores da recomendação/aplicação, perfil de profissional que recomenda/aplica, padrão de recomendação/aplicação e tópicos que necessitam de suporte/informação adicionais.

Limitações da pesquisa

Algumas limitações devem ser consideradas:


1. Segundo os autores, por se tratar de uma pesquisa transversal, os resultados só podem indicar correlações, não efeitos causais. As interpretações que podem ser extraídas dos achados são fortalecidas, no entanto, pela análise de regressão, que controla as variáveis ​​confundidoras.

2. Os dados foram obtidos por autorrelato. Para responder, os participantes foram convidados a relembrar os detalhes de seu uso de práticas de meditação nos últimos 12 meses; assim, os dados podem ser afetados pelo viés de memória.

 

3. Os dados disponíveis eram limitados. Além da etnia, pode-se esperar que a cultura influencie a prevalência e os padrões de uso de meditação. Embora as ligações culturais não sejam avaliadas no NHIS, os dados de uma grande amostra nacionalmente representativa contrariam essas preocupações.

4. Faltou explorar os detalhes dos tipos de meditação que foram resumidas em três categorias muito amplas. Intervenções baseadas em mindfulness e outros tipos de meditação apresentam grandes diferenças na forma como são conceituadas e praticadas.

Materiais Complementares

National Health Interview Survey: acesse o site do Centro Nacional para Estatísticas de Saúde dos Estados Unidos para conhecer mais sobre a Pesquisa Nacional em Saúde. Dados de amostragem, critérios estatísticos, questionários, relatórios e outros dados estão disponíveis aqui.

Para conhecer outros materiais complementares, clique aqui!

Como citar este texto:

 

Azevedo, M. L. (2019). Como adultos usam meditação? (Website Alfabetização Científica em Psicologia). Recuperado de: https://alfabetizacaopsico.wixsite.com/home/materia-6-meditacao

- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

Referências:

O artigo Prevalence, patterns, and predictors of meditation use among US adults: A nationally representative survey de Cramer e colaboradores (2016), pode ser lido na revista Scientific Reports clicando aqui. 

O artigo Tipos de estudos epidemiológicos: conceitos básicos e aplicações na área do envelhecimento de Lima-Costa & Barreto (2003), pode ser lido na revista Epidemiologia e Serviços de Saúde clicando aqui.

bottom of page