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A importância de conhecermos os testes que utilizamos.

Lucas Martins do Nascimento

30 de Julho de 2018

Conforme o contexto de uma determinada pesquisa, cientistas detém a liberdade de adaptar seus instrumentos de testagens conforme as necessidades, considerando o modo como os dados serão coletados, os objetivos a serem atingidos, a população que será investigada, entre outros fatores. Essa flexibilidade é essencial para o avanço da ciência, mas todo cuidado é pouco na hora de inovarmos!

O presente artigo tratou especificamente da tarefa computadorizada Go/NoGo (Figura 1), tradicionalmente reconhecida por avaliar o controle inibitório, habilidade de “frear” (inibir) comportamentos automáticos ou preponderantes. O autor problematiza os diversos formatos que esta tarefa assume em diferentes pesquisas. Sua revisão de literatura realizada entre os anos de 1993 e 2016 indicou que aproximadamente 40% das pesquisas utilizaram estímulos Go e NoGo na mesma proporção (ou equiparados) e aproximadamente 20% utilizaram intervalos longos entre estímulos, maiores que 4000 milissegundos (ms). Tendo em vista estes fatores, o autor questiona: Será que todas as variações de Go/NoGo realmente avaliam controle inibitório?

Para responder esta pergunta, o pesquisador Jan R. Wessel, da Universidade de Iowa nos EUA, partiu do princípio que o principal componente em tarefas que avaliam a inibição é a garantia que haja uma atividade motora dominante durante a avaliação (estímulo Go). Com base na literatura prévia, Wessel também verificou que na tarefa Go/NoGo a atividade motora dominante é influenciada por dois parâmetros:

  1. A proporção entre estímulos Go (que o participante responde o mais rápido possível) e NoGo (que o participante deverá inibir, não responder nada)

  2. Tempo de intervalo entre os estímulos, que implica no ritmo da tarefa.

O estudo contou com a colaboração de 18 universitários, recrutados por meio de uma lista de emails para pesquisas, que ganharam $15 pela participação. A média de idade do grupo foi de 26,8 anos. Os participantes foram submetidos a uma ordem aleatória de quatro versões da tarefa Go/NoGo, seguido por uma quinta tarefa, a Stop Signal Task (SST). O objetivo da pesquisa foi testar diferentes configurações de Go/NoGo, variando seus dois principais parâmetros (a proporção de estímulo Go e NoGo, e o tempo de intervalo entre estímulos), e comparar as respostas cerebrais frente a estas tarefas e com a tarefa SST, a fim de verificar quais configurações de Go/NoGo realmente evocaram uma demanda por controle inibitório.

Sobre a tarefa Go/NoGo:

Os estímulos eram quadrados amarelos ou ciano no centro da tela. Para cada participante, o computador designou aleatoriamente uma das cores para corresponder ao Go e ao NoGo. Os quadrados ficavam na tela até um botão ser pressionado, com limite de 1000 ms. Entre os estímulos havia uma cruz para fixação do olhar no centro da tela.

As instruções dadas aos participantes foram as seguintes: se aparecer um quadrado com a cor atribuída para o participante responder, ele deveria pressionar a letra P no teclado. Quando aparecer a cor que indicasse para não responder, o participante deveria frear o impulso de responder e não deveria teclar nada.

As quatro versões do Go/NoGo foram:

- Proporção equiparada de estímulos (50% de estímulos NoGo) e ritmo lento (4000 ms de intervalo entre estímulos)
- Proporção equiparada de estímulos (50% de estímulos NoGo) e ritmo rápido (1500 ms)
- Proporção de NoGo raro (20% de estímulos NoGo) e ritmo lento (4000 ms)
- Proporção de NoGo raro (20% de estímulos NoGo) e ritmo rápido (1500 ms)

Em cada condição, os participantes realizaram cinco blocos que incluíram 10 NoGo trials cada. Deste modo, os participantes responderam 250 trials na condição de NoGo raros e 100 trials na condição equiparada.

Figura 1. Ilustração de Go/NoGo com ritmo rápido (1500 ms)

Sobre a tarefa Stop Signal Task:

O paradigma computadorizado SST é reconhecido como o “padrão ouro” para avaliar comportamentos de inibição de modo experimental. A utilização da SST possibilitou extrair um padrão de atividade cerebral que representasse a inibição comportamental, através do componente P3 frontocentral do Potencial Relacionado à Evento (ERP), uma mensuração temporal da atividade elétrica do cérebro realizada com eletroencefalograma (EEG).

Na SST os trials iniciaram com uma cruz de fixação (500ms) seguida por uma seta branca indicando esquerda ou direita (estímulo Go). Os participantes foram instruídos a responder o mais rápido e preciso possível, indicando no teclado o lado que a seta aponta. Em 33% dos trials, após um breve período de apresentação do estímulo Go (delay), ocorria o Stop Signal, situação em que a seta torna-se vermelha e o participante deve inibir sua resposta, não teclando nada.

Este delay, chamado de Stop-Signal Delay (SSD), iniciou em 200ms com todos os participantes, e foi ajustando-se dinamicamente por meio de um algoritmo da tarefa em porções de 50ms. Após uma inibição corretamente executada, o SSD era prologando em 50ms; após uma falha de inibição, o SSD era reduzido em 50ms. A duração dos trials foi fixada em 3000ms. Realizou-se seis blocos de 50 trials (200 Go e 100 com Stop Signal).

 

 

Figura 2. Ilustração da Stop-Signal Task

Houve atividade motora inicial (early) dominante nas diferentes versões no Go/NoGo?

Os resultados demonstram que, independentemente do período de tempo de análise da onda ERP (early, late, etc), só foi observado atividade cerebral motora significativa em versões aceleradas do Go/NoGo. Em complemento, é importante ressaltar que apenas as versões aceleradas com NoGo raros (20%) apresentaram atividade motora inicial significativa.

A quantidade de atividade cerebral relacionada ao controle inibitório difere entre as quatro versões do Go/NoGo?

A análise estatística ANOVA sample-by-sample apresentou efeitos significativos de ritmo e proporção sobre a amplitude do componente P3. Isso é resultado do fato de que o início (onset, em inglês) do P3 ocorre mais cedo nas versões aceleradas do Go/NoGo. Além disso, as versões aceleradas também demonstraram as maiores amplitudes gerais de P3. Em outras palavras, estes resultados corroboram com a ideia de que o a configuração da tarefa experimental influencia significativamente sobre os correlatos neurais.

Em consonância com os achados anteriores, o fator proporção afeta a parte tardia (later, em inglês) do P3, resultante do fato que versões com NoGo raros demonstram um período de tempo P3 significativo mais longo, e aumento das amplitudes gerais do P3 comparado as versões de NoGo equiparados. A partir destas análises, conclui-se que as versões aceleras com NoGo raros evocam as maiores atividades neurais relacionadas ao controle inibitório.

O que o autor extraiu destes resultados?

Como interpretação geral dos resultados, os pesquisadores concluíram que apenas os designs acelerados com NoGo raros eliciaram atividade motora dominante nos estímulos NoGo de forma consistente, a fim de proporcionar um cenário ideal para avaliação do controle inibitório. Sendo assim, apenas 8,7% das pesquisas prévias (entre 1993 e 2016) estavam na configuração ideal da tarefa Go/NoGo, aderindo ao ritmo acelerado junto aos NoGo raros.

Quais alternativas Wessel propõe?

Uma das alternativas para buscar uma resposta motora dominante no paradigma Go/NoGo equiparado é intervalando esta tarefa com blocos constituídos exclusivamente com estímulos Go. Uma segunda alternativa envolve delimitar um limite de tempo breve para responder aos estímulos Go, influenciando o indivíduo a responder rapidamente. Por fim, uma terceira alternativa utiliza o design “estímulo 1 - estímulo 2” (conhecido como S1-S2), em que o primeiro estímulo informa a probabilidade sobre o estímulo 2 vir a ser um Go ou NoGo.

Calma, nem tudo pode ser criticado!

Ainda que o pesquisador tenha questionado a validade dos estudos com Go/NoGo com ritmos lentos (com longos intervalos entre estímulos) e proporção equiparada entre estímulos, ele reconhece que alguns métodos possuem baixa resolução temporal, necessitando de procedimentos mais lentos de coleta de dados. Exemplos disso ocorrem com fMRI (sigla em inglês para imagem por ressonância magnética), estimulação magnética transcraniana e dados psicofisiológicos baseados em respostas autonômicas. Do mesmo modo, algumas populações podem precisar de ritmos mais lentos nos procedimentos de pesquisa, como idosos ou populações clínicas.

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Para refletir...

Implicações

Com estes resultados, o autor pontua que grande parte das publicações que utilizaram Go/NoGo precisa ser revista. Esta afirmação é de grande impacto, visto a popularidade deste paradigma em diversos subcampos da psicologia e da neurociência, inclusive, fazendo parte de baterias de testes cognitivos. Sendo assim, deve-se atentar para os modos de produção de conhecimento já dados e bem estabelecidos na literatura, que por vezes podem ser incrementados.

Em complemento, assim como nos preocupamos com os estudos já publicados, devemos nos atentar para a qualidade das pesquisas futuras. Esta pesquisa é de grande importância para orientar as produções futuras, não apenas para nos atentar sobre o formato da tarefa Go/NoGo, mas qualquer outro paradigma experimental que possamos modificar.

Limitações da pesquisa

Algumas limitações devem ser consideradas:


1. A amostra foi composta exclusivamente por universitários, com apenas 18 participantes, não sendo uma amostra representativa da população daquela região.

 

2. Os participantes foram recrutados a partir de uma lista de emails com indivíduos já interessados em participar de pesquisas em geral. Isso pode gerar algum tipo de viés, visto que estes indivíduos podem ser especialmente mais acostumados com o setting experimental, ou de algum outro modo isso pode trazer diferenças ao compararmos com sujeitos espontaneamente interessados em participar da pesquisa.

 

3. Os participantes receberam $15 pela sua colaboração, o que também pode ser uma influência, no sentido que alguns participantes podem ter ingressado no estudo exclusivamente pelo retorno financeiro.

Materiais Complementares

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Como citar este texto:

 

Nascimento, L. M. (2018). A importância de conhecermos os testes que utilizamos. (Website Alfabetização Científica em Psicologia). Recuperado de: 

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Referência:

O artigo Prepotent motor activity and inhibitory control demands in different variants of the go/no‐go paradigm de Wessel (2018), pode ser lido na revista Psychophysiologyclicando aqui. 

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