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Com Mindfulness e Distração, superarei a Ruminação!

Lucas Martins do Nascimento

13 de Fevereiro de 2017

É comum possuirmos costumes e estratégias que nos ajudam a superar situações estressoras, popularmente chamadas de “válvulas de escape”, tal como orar, meditar, ler, jogar videogames, praticar esportes, entre inúmeras possibilidades. Essas práticas podem conduzir nosso fluxo de pensamentos para um caminho distante dos estressores e proporcionar alívio emocional; mas será que todas as alternativas que procuramos são realmente efetivas? Para testar modos de combater a ruminação de pensamentos negativos, uma pesquisa realizada pela Lawrence University e University of Wisconsin, publicada no Journal of Abnormal Child Psychology em 2012, verificou a eficácia de três estratégias: a prática de Mindfulness, Distrações e Resolução de Problemas.

Sabendo que ruminação (i.e. resposta ao estresse caracterizada pelo foco repetitivo nos seus sintomas, causas e consequências) é um fator de risco para o desenvolvimento de depressão e outras psicopatologias, compreender como combatê-la pode ser fundamental para manutenção da saúde. Uma maior frequência de ruminação leva ao agravamento do estado de humor, alimentando mais ruminações como consequência e assim consolidando o ciclo ruminativo. Neste sentido, o desenvolvimento de estratégias para cortar ciclos ruminativos torna-se importante para evitar os seus efeitos negativos prolongados.

 

O objetivo central dos autores foi verificar a eficácia de três técnicas, administradas brevemente, para redução do estado ruminativo em adolescentes (Estudo 2), visto haver uma lacuna de estudos científicos com este público. No entanto, sabendo que a ruminação é uma resposta ao estresse, antes de testar as intervenções, fez-se necessário testar um procedimento que visa submeter os participantes a um nível de estresse determinado, através de um procedimento padronizado em condições laboratoriais (Estudo 1).

O Estudo 1 teve a colaboração de 26 jovens entre 9 e 14 anos, convidados por meio de propagandas e panfletos para a participação em uma pesquisa a respeito de emoções em crianças e adolescentes. Os participantes receberam o incentivo de 10 dólares pela participação. Os autores hipotetizaram que o evento de rejeição social (procedimento experimental) induziria estresse nos participantes, o qual seria verificado pelo aumento no autorrelato de afeto negativo e pelos índices de pressão arterial.

 

Primeiramente, realizou-se mensurações basais, tal como o humor (autorrelato que produz escore total de afeto negativo) e a ruminação estado (autorrelato sobre a intensidade do foco em sentimentos e problemas). A terceira e última mensuração basal foi a pressão sanguínea.

 

Na segunda etapa do Estudo 1, os participantes foram submetidos à indução de humor negativo, em que o experimentador – em atendimentos individuais - instruiu os participantes a elaborarem no tempo de três minutos um discurso sobre porque deveriam ser selecionados para um reality show. Após este tempo, o experimentador posicionou os participantes frente à câmera e requisitou que começassem suas falas, enquanto seriam supostamente julgados por três avaliadores da mesma faixa etária, que supostamente os acompanhavam por uma câmera. No final de três minutos de fala, os participantes ouviam um feedback ligeiramente negativo dos supostos jurados por meio de uma caixa de som. Todos foram induzidos a acreditar que este feedback era verdadeiro e direcionado especificamente ao seu discurso, mas era apenas uma gravação genérica reproduzida para todos participantes.

A terceira etapa repetiu as mesmas coletas realizadas na condição basal, porém desta vez ocorreu após a indução de humor negativo explicitada anteriormente. A quarta fase do experimento dividiu os participantes em dois grupos, sendo que um teve a indução de ruminação e outro a indução da distração, ambas com auxílio de áudios de 8 minutos contendo roteiros para guiar o fluxo de pensamentos conforme a técnica. Para a indução da ruminação, haviam sentenças como: Pense sobre o motivo pelo qual você está se sentindo do jeito que você está; Pense nas possíveis consequências da maneira como você se sente. Enquanto que para a indução de distração alguns exemplos de instruções eram: Pense sobre a superfície brilhante de um trompete; Pense sobre o layout do centro comercial local.

 

Por fim, a quinta e última etapa do Estudo 1 consistiu na avaliação da ruminação estado. O quadro a seguir resume a ordem dos procedimentos a fim de facilitar a visualização do design da pesquisa.

Como resultado, considerando a totalidade dos participantes, o humor negativo aumentou significativamente após a indução experimental de humor negativo. Em complemento, a pressão sanguínea também sofreu incremento, sugerindo que o procedimento de rejeição social foi suficiente para incrementar os níveis de estresse em todos participantes. Além disso, identificou-se níveis similares de ruminação estado após a rejeição social entre os dois grupos, sugerindo que foram afetados de modo similar pelo paradigma experimental. Por fim, análises estatísticas revelaram que a ruminação estado aumentou significativamente apenas após o uso da estratégia de ruminação. Portanto, a indução de distração ajudou que os níveis de ruminação estado não subissem após o uso desta estratégia. Em suma, a ruminação estado é sensível ao estilo de técnica utilizada para lidar com eventos estressores, sendo que ruminar após este tipo de evento pode prejudicar a redução dos seus efeitos negativos.

O Estudo 2 teve a colaboração de 102 participantes com idades entre 9 e 14 anos. Novamente, todos foram recrutados por meio de propagandas e panfletos para colaboração em uma pesquisa a respeito de emoções em crianças e adolescentes, recebendo 10 dólares pela participação. O foco do estudo foi a investigação da eficácia de três estratégias para diminuir a ruminação estado: Distração, Resolução de Problemas e Mindfulness.

 

As cinco etapas iniciais do Estudo 2 são idênticas ao Estudo 1, porém, na quarta etapa todos participantes foram alocados na condição de ruminação - e não distração -, garantindo que todos ficassem sob efeito prolongado da mesma situação estressora, testada e validada no Estudo 1. A sexta etapa dividiu os participantes em três grupos de intervenções, sendo o primeiro grupo de Distração, o qual foi idêntico aos procedimentos citados no Estudo 1, com um áudio de 8 minutos com orientações como: “Pense sobre a superfície brilhante de uma trompete, Pense sobre o layout do centro comercial local.”

 

O segundo grupo, Resolução de Problemas, seguiu um áudio com orientações para desenvolver um processo: Identificação de um problema, levantar possíveis soluções, avaliar as consequências, escolher uma solução e verificar o processo. No período final esta prática focava no autoelogio, utilizado em algumas terapias, com afirmações como: Imagine dar-se um tapinha nas costas após resolver o problema. O terceiro grupo, Mindfulness, focou na consciência do momento presente, no sentimento de aceitação e atenção na respiração, como por exemplo: Se você encontrar a sua mente desordenada por pensamentos, pode colocar cada pensamento em uma bolha e imaginá-lo flutuando, deixando-o ir.

 

Por fim, a sétima etapa do experimento foi uma mensuração de ruminação estado após as intervenções. O quadro a seguir resume a ordem dos procedimentos.

Similar ao primeiro estudo, após o procedimento experimental de indução de humor negativo (etapa 2) confirmou-se que houve incremento do estresse, dado o aumento do afeto negativo e pressão sanguínea. A indução de ruminação também foi bem sucedida, visto que houve o aumento da ruminação estado após a indução de ruminação (etapa 4). Os dados também sugeriram que as intervenções de Distração e Mindfulness foram eficazes em ajudar os adolescentes a diminuir a ruminação estado, enquanto a Resolução de Problemas não.

Ao discutir os mecanismos de cada técnica, os autores hipotetizaram que a Distração captura a atenção, limitando o fluxo de pensamentos voltados para conteúdos negativos, enquanto que mindfulness auxilia o indivíduo a exercer um controle da atenção direcionando-a à respiração e adotando uma postura de aceitação das sensações.

Sobre a ineficiência da técnica de Resolução de Problemas, apesar da similaridade do método (áudio de oito minutos), há possibilidade desta prática ter requerido mais esforço dos participantes, visto que estes deveriam gerar possíveis soluções aos problemas. Além disso, estudos passados indicaram que a ruminação reduz a motivação para a resolução de problemas, o que pode tornar esta abordagem incompatível com o combate à ruminação.

Os autores concluem salientando que esta pesquisa contribui com a crescente literatura sobre mindfulness, demonstrando que esta técnica pode trazer benefícios mesmo que não seja praticada intensivamente. Além disso, destacam que o início da adolescência é um período que carece de maturidade emocional, portanto, técnicas breves que ajudam na regulação da emoção negativa podem ser especialmente importantes durante este período de desenvolvimento. Ainda que os efeitos prolongados destas intervenções não tenham sido verificados, acredita-se que a prática regular pode trazer resultados positivos e eficientes.

ESTUDO 1

ESTUDO 2

Para refletir...

Implicações

Os autores sugerem que o uso de tecnologias (tal como aplicativos) poderia proporcionar o monitoramento constante da ruminação por meio de autorrelatos frequentes ao longo do dia. Desse modo, o aplicativo poderia apontar com certa precisão os momentos necessários para uma pausa nas atividades e engajamento em uma estratégia de Distração ou Mindfulness.

Complementando este raciocínio, uma ideia seria implementar o monitoramento da frequência cardíaca e pressão sanguínea para indexar os níveis de estresse e ruminação, substituindo – ou complementando - o autorrelato do estado ruminativo. O registro destes dados fisiológicos poderia ser mais prático e ininterrupto, liberando os usuários de realizarem constantemente os autorrelatos.

Exemplo de benefício destas estratégias: você consegue imaginar um lugar onde todos os motoristas estejam calmos? Quem sabe estes tipos de mensurações poderiam ser aplicadas no trânsito e mudar nossa realidade! O monitoramento constante de respostas fisiológicas pode alertar condutores sobre seus níveis elevados de estresse com um sinal sonoro ou alerta no painel do carro, sugerindo que utilizem uma estratégia para tranquilizar-se, reduzindo os riscos de acidentes e violência no trânsito.

Limitações da pesquisa

Algumas limitações devem ser consideradas:


1. Ainda que os autores acreditem que os participantes tenham seguido todas as instruções adequadamente, eles destacam que não houve controle sobre os pensamentos e comportamentos que realmente ocorreram durante a utilização das técnicas.

2. Os participantes foram recrutados de comunidades próximas, limitando a generalização dos resultados para outras populações e amostras clínicas desta faixa etária e tampouco é possível generalizar para outras faixas etárias.

3. Os autores utilizaram dados de pressão sanguínea para verificar a indução de estresse após o paradigma de rejeição social, no entanto, não utilizaram este recurso - assim como outro parâmetro fisiológico - para analisar a ruminação estado, limitando-se apenas ao uso de instrumentos de autorrelato nesta etapa do estudo.

4. Em pesquisa, aplicar um mesmo instrumento muitas vezes seguidas pode gerar um efeito de “aprendizagem”. Mesmo que diferenças significativas tenham sido encontradas, o uso sucessivo do mesmo instrumento é um ponto a ser considerado.

5. Ainda em relação à repetição do mesmo instrumento, sabe-se que isto favorece um efeito que chamamos de “expectativa”, ou seja, os participantes identificam aquilo que o pesquisador está procurando achar em sua investigação, o que pode influenciar suas respostas.

Materiais Complementares

Clique aqui e confira o material complementar em inglês ou clique aqui para acessar um artigo em português, publicado na Folha de São Paulo!

Estes materiais abordam os benefícios da técnica da distração para a geração de insights e ideias criativas, apresentando achados científicos da área cognitiva e da neurociência. Ao tentarmos resolver um problema complexo, por vezes ficamos imersos por muito tempo em torno de uma mesma e única questão, ou seja, com a atenção focada exclusivamente em uma linha de pensamento. A atenção focada tem sua importância, porém em algumas circunstâncias ela faz com que ignoremos estímulos e ideias que podem ser importantes. Ao reservarmos alguns momentos para distrairmos a mente, é possível que passemos a perceber e valorizar novas informações que nos conduzem a um fluxo de pensamento distinto da atenção focada, podendo promover pensamentos criativos e insights.

Para conhecer outros materiais complementares, clique aqui!

Como citar este texto:

 

Nascimento, L. M. (2017). Com mindfulness e distração, superarei a ruminação! (Website Alfabetização Científica em Psicologia). Recuperado de: 

http://alfabetizacaopsico.wixsite.com/home/materia-meditacao-mindfulness

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Referência:

O artigo Getting Out of Rumination - Comparison of Three Brief Interventions in a Sample of Youth, de Hilt & Pollak (2012), pode ser lido na revista Journal of abnormal child psychology clicando aqui. 

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