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A consciência do psicoterapeuta influencia os resultados da terapia?

Mariana Ladeira Azevedo

08 de Outubro de 2018

Uma das formas de descrever mindfulness é como uma habilidade mental, um estado de consciência no momento presente (mindfulness disposicional), que também pode se manifestar como um traço. Também é o nome dado para técnicas específicas que desenvolvem tal estado. Evidências empíricas demonstram uma relação entre mindfulness disposicional e indicadores de bem-estar, dentre eles inteligência emocional, identificação dos sentimentos, melhorias no humor, abertura à experiência, consciência e satisfação com a vida. Como técnica, mindfulness pode ser incorporado à psicoterapia durante a sessão ou como intervenções complementares como parte do tratamento.

 

Porém, pouco se sabe sobre o potencial de mindfulness disposicional sobre as habilidades e a eficácia do psicoterapeuta. A associação entre essa qualidade mental e atributos interpessoais positivos sugere que a prática de mindfulness pode ser uma ferramenta importante para que o terapeuta cultive e mantenha algumas qualidades que contribuem para o desenvolvimento de uma aliança terapêutica positiva. Podemos citar alguns exemplos:

  • observar suas experiências internas sem julgar promoveria atitudes de aceitação e compaixão em relação aos pacientes;

  • o terapeuta deveria abordar cada sessão livre de expectativas e desejos;

  • é esperado que o terapeuta possa estar consciente das associações que emergem em si durante a sessão.

Mindfulness disposicional, então, seria uma ferramenta para treinar a consciência do terapeuta e cultivar uma qualidade observacional. Também desenvolve compaixão e empatia. Estas habilidades contribuiriam para o desenvolvimento da aliança terapêutica.

Contudo, existem poucos estudos que verificam os efeitos dos níveis de mindfulness disposicional dos psicoterapeutas para a eficácia terapêutica. Assim, pesquisadores de duas universidades do Estado de Nova Iorque (EUA) realizaram um estudo com psicoterapeutas buscando identificar a associação entre mindfulness disposicional do terapeuta e (a) autoafiliação, (b) aliança terapêutica, e (c) resultados do tratamento. As hipóteses eram de que (1) terapeutas com níveis mais elevados de autoalificação demonstrariam maiores níveis de traço mindfulness, e (2) níveis mais elevados de mindfulness no baseline dos terapeutas seriam preditivos de aliança terapêutica mais forte e melhores resultados do tratamento.

Para verificar estas afirmações, eles realizaram um experimento com 26 díades paciente-terapeuta. Apenas díades que preencheram e retornaram todos os instrumentos de medida durante o período da coleta foram incluídos nos resultados. Dos 26 terapeutas, 18 eram mulheres e 8 homens; quatro eram psiquiatras e os demais eram psicólogos. O tempo de experiência variou até seis anos. O terapeutas foram designados aleatoriamente para aplicar uma de duas modalidades de tratamento: 12 aplicaram Terapia Breve Relacional (TBR) e 14 aplicaram Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC). A aderência à modalidade de tratamento foi confirmada por membros treinados da equipe do programa, cegos ao tipo designado para cada terapeuta.

 

Quanto aos pacientes, todos eram da comunidade, recrutados através de anúncio de jornal oferecendo psicoterapia de baixo-custo para pessoas dispostas a participarem de uma pesquisa. Para participarem da pesquisa, os pacientes deveriam ter entre 18 e 65 anos, aceitar serem gravados durante a sessão, preencher os instrumentos de medida da pesquisa e possuir proficiência em inglês (idioma a qual as sessões foram aplicadas). Todos foram selecionados de um outro projeto em andamento no Programa de Pesquisa em Psicoterapia Breve, no departamento de psiquiatria do Beth Israel Medical Center, Nova Iorque. Não foram aceitos pacientes com síndrome cerebral orgânica, psicose ou necessidade de internação, ideação suicida ativa ou depressão grave, THB, abuso de substância ativo, histórico de comportamento abusivo ou violento e uso de medicação cuja dosagem não esteja estabilizada por um mínimo de 3 meses. Dos 26 pacientes participantes, 17 eram mulheres e 9 homens, com idades entre 24 e 68 anos (média 48 anos) e dentro dos critérios mencionados. Do diagnóstico da amostra, considerando comorbidades, a maior parte dos casos era de Transtorno Depressivo (57.7%), Transtorno de Ansiedade (23.2%), algum transtorno de personalidade não especificado (34.7%).

Ambos tratamentos (TBR e TCC) consistiram em 30 sessões, com frequência aproximada semanal e duração de 60 minutos (45 minutos de terapia e 15 minutos para preenchimento dos questionários ao final). Todos os terapeutas participaram de supervisões em grupo com frequência semanal e duração de 90 minutos. Pacientes e terapeutas preenchiam os questionários separadamente e entregavam os documentos em caixas lacradas.

 

Os terapeutas preencheram os instrumentos KIMS e INTREX antes do início do tratamento. O KIMS (Kentucky Inventory of Mindfulness Skills) é uma escala desenvolvida para identificar níveis de mindfulness diário na população geral e foi usada para definir o traço mindfulness do terapeuta na linha de base. Já o INTREX (versão reduzida) é um questionário no qual os respondentes avaliam  a forma como agem em relação a si mesmos e foi usado para avaliar a atitude de mindfulness do terapeuta sobre si.

 

Terapeutas e pacientes preencheram o WAI (Working Alliance Inventory) ao final da terceira sessão. O WAI é um instrumento usado para medir a força da aliança terapêutica e foi um dos critérios da pesquisa para avaliar a psicoterapia pela perspectiva do psicoterapeuta e do cliente.

 

Os pacientes preencheram o instrumento SCL-R-90 e o IIP-32 antes e depois do tratamento. A Escala de Avaliação de Sintomas (SCL-R-90) é um instrumento que indica a intensidade da angustia associada a cada sintoma. Na pesquisa, foi usada como critério de medida dos resultados da psicoterapia. Já o IIP-32 (Inventory of Interpersonal Problems-32) é aplicado para medir o funcionamento interpessoal e também foi um dos critérios para medir os resultados da psicoterapia.

A análise dos resultados indicou não haver diferença significativa entre as condições de terapia (TCC e TBR) e as variáveis medidas (instrumentos e testes). Portanto, as duas condições de tratamento (TCC e TBR) foram consolidadas para posterior análise de dados. O que foi verificado, então, é que terapeutas com níveis mais elevados de mindfulness apresentaram mais autoafiliação - uma atitude amigável consigo (r = .413, p < .05).

 

Na medida de mindfulness KIMS, foi possível perceber um padrão relacionado às subescalas “Agir com Consciência” e “Aceitar sem Julgar”, pois foram as únicas a influenciar a variância na maioria das análises. A relação entre “Agir com Consciência” e os escores de Aliança Terapêutica do Paciente (r = .379, p < .05) sugerem que o foco e a atenção sustentada do terapeuta podem impactar positivamente a percepção do paciente sobre a aliança, permitindo ao paciente sentir-se visto e ouvido. A relação entre a dimensão “Aceitar sem Julgar do terapeuta e seus escores de Aliança Terapêutica (r = .595, p < .01) poderia indicar que profissionais com mais autoaceitação são menos críticos ao avaliarem sua habilidade em cultivar uma aliança – essa subescala reflete uma redução na necessidade de aprovação ou de expectativas obre o outro.

Ao contrário do esperado, não houve relação entre mindfulness do terapeuta e melhora nos sintomas dos pacientes, medida pelo SCL-R-90. Por outro lado, em termos de resultados, houve relação significativa entre a subescala “Aceitar sem Julgar” e IIP-32 (r = .547, p < .01). A subscala “Aceitar sem Julgar” demonstrou ser a medida mais robusta e relevante para as análises. Junto com a relação significativa entre mindfulness total (KIMS) e níveis elevados de autoafiliação (INTREX), pode ser que haja uma relação única entre mindfulness do terapeuta, autoaceitação, processo terapêutico e resultados – que demandam novos estudos.

 

Com este estudo, os pesquisadores puderam concluir que o mindfulness total do terapeuta está positivamente associado com atitudes autoafiliativas e com a percepção do terapeuta sobre a aliança com o paciente. Também foi verificado suporte parcial para a hipótese de que há relação entre mindfulness do terapeuta e resultados da psicoterapia, verificado nos escores do IIP-32 (vale relembrar que o IIP-32 foi usado avaliou o funcionamento interpessoal do paciente após o tratamento).

Para refletir...

Implicações

As pesquisas com mindfulness têm focado mais nos benefícios e resultados aos pacientes e pouco sobre o papel que mindfulness exerce sobre “a outra poltrona” (terapeuta). Enquanto a prática de mindfulness pode ser útil para desenvolver e aprimorar habilidades desejáveis do terapeuta, mindfulness disposicional também poderia ser útil para determinar as habilidades prévias do terapeuta. Este estudo é uma tentativa preliminar de ligar o traço mindfulness do terapeuta aos resultados do processo psicoterapêutico.

Limitações da pesquisa

Algumas limitações devem ser consideradas:


1. Segundo os autores, o tamanho reduzido da amostra não permitiu verificar a relação mindfulness x tratamento x resultados.

 

2. O estudo indicou não haver diferenças significativas de mindfulness (pela escala KIMS) nas duas modalidades de terapia TRB e TCC. Contudo, não se pode ignorar a possibilidade de mindfulness ter um papel diferente em cada um dos tipos de psicoterapia.

 

3. Não foi avaliado sistematicamente se os terapeutas participantes tinham treinamento prévio com mindfulness ou práticas meditativas.

 

4. Considerando que pesquisas desta natureza (sujeitos psicoterapeutas e resultados da psicoterapia) ocorrem em hospitais e clínicas-escola, o tempo de experiência dos terapeutas pode ser reduzido e afetar os resultados o tratamento. Além disso, não pode ser descartado que um tempo maior de experiência profissional não tenha relação com o traço mindfulness.

 

5. A forma como os dados foram apresentados dificulta o entendimento completo do experimento. No artigo faltaram tabelas com as estatísticas descritivas detalhadas tanto para as características da população quando para os escores das medidas antes e depois.

Materiais Complementares

Clique aqui para assistir ao TEDx Talk com a Dra. Shauna Shapiro, professora da Universidade de Santa Clara (EUA), psicóloga clínica e autoridade internacionalmente reconhecida em mindfulness, tendo proposto um modelo explicativo dos mecanismos da qualidade mental mindfulness – como funciona. 

Para conhecer outros materiais complementares, clique aqui!

Como citar este texto:

 

Azevedo, M. L. (2018). Você presta atenção no seu coração? (Website Alfabetização Científica em Psicologia). Recuperado de:

http://alfabetizacaopsico.wixsite.com/home/materia-6-mindfulness-disposicional

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Referência:

O artigo Therapist mindfulness, aliance and treatment outcome, de Ryan, Safran, Doran & Muran (2012), pode ser lido na revista Psychotherapy Research clicando aqui. 

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