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Maturidade cerebral e reconhecimento de expressões faciais na infância

Victória Niebuhr Loos

15 de Maio de 2018

Você sabe como reconhecemos as expressões faciais? Que partes do cérebro são ativadas durante esse reconhecimento? Será que para adultos e crianças são as mesmas áreas? Ao estudar o desenvolvimento da habilidade de reconhecimento de expressões faciais em crianças, uma pesquisa realizada por neurocientistas da França e do Canadá buscou responder estas perguntas.

O estudo, cujo objetivo inicial era analisar o desenvolvimento normal da percepção das expressões faciais, defendia a ideia de que algumas áreas do cérebro ativadas durante o reconhecimento de expressões faciais na vida adulta já seriam utilizadas desde a infância, porém em intensidades diferentes. Segundo as pesquisadoras, conforme ocorre a maturação cerebral, a habilidade de reconhecimento de expressões faciais torna-se mais precisa e com maior utilização da área frontal do cérebro. Esta área do cérebro, responsável pela tomada de decisões, planejamento, modulação do comportamento social e emoções, é geralmente a última a desenvolver-se. Sua maturação completa dá-se somente por volta dos 25 anos.

Para realizar este estudo, as pesquisadoras selecionaram 82 crianças de 4 a 15 anos, todas com visão normal ou corrigida com lentes ou óculos. Elas foram divididas em 6 grupos, de acordo com a idade: 4 a 5 anos (G1), 6-7 anos (G2), 8-9 anos (G3), 10-11 anos (G4), 12-13 anos (G5) e 14 – 15 anos (G6).  As crianças responderam dois subtestes de inteligência (design de blocos e vocabulário) do WISC-III, que é um instrumento utilizado para avaliar o raciocínio e o desenvolvimento cognitivo infantil. O subteste design de blocos consistia em montar os blocos de modo a formar a figura solicitada (atividade semelhante ao Tangran) para analisar a capacidade visual e espacial do participante. Já o subteste vocabulário avalia a capacidade de raciocínio, evocação de memória e formulação de frases, pois solicita ao participante a definição de alguns substantivos (ex: casa, abelha...). Os subtestes foram aplicados individualmente e de acordo com a idade de cada criança.

 

Após esta etapa, as crianças participaram individualmente de uma tarefa computadorizada para avaliar a habilidade de reconhecimento de expressões faciais. A tarefa estava baseada em um banco de imagens já utilizado pelas autoras em estudos com adultos. Foram apresentadas às crianças 210 imagens, divididas em 6 blocos de 70 imagens cada. Destas, 10 imagens eram de cada uma das sete expressões faciais básicas (raiva, aversão, nojo, tristeza, alegria, surpresa e medo) e 15 de imagens de borboletas, carros, folhas, entre outros conteúdos neutros apresentados de forma aleatória.

Figura 01: Exemplos de imagens utilizadas para a tarefa emocional implícita. São faces de homens e mulheres expressando raiva, desgosto, alegria, medo, surpresa e tristeza, bem como faces de expressões neutras.

As imagens eram apresentadas por 500ms, com um intervalo entre estímulos aleatório entre 1200ms e 1600ms.  As crianças deveriam apertar um botão quando vissem os objetos e o que não fosse expressão facial. Esta orientação dada às crianças foi apenas para manter o foco da atenção das crianças na apresentação dos estímulos que não eram expressões faciais, pois desta forma o reconhecimento das expressões faciais seria implícito e intuitivo.

Durante esta tarefa computadorizada, foram posicionados 30 sensores na cabeça dos participantes para mensuração dos Potenciais Relacionados a Eventos ou Event-Related Potentials (ERP), em inglês. Estes sensores ficam em contato com o couro-cabeludo e captam sinais elétricos emitidos pelo cérebro. Por meio dos ERPs é possível identificar as áreas mais e menos ativas do cérebro durante alguma atividade, neste caso, durante o reconhecimento de expressões faciais.

A análise dos ERPs indicou uma diminuição da ativação do lobo occipital (responsável pela visão) na medida em que as crianças ficavam mais velhas, sugerindo a automatização progressiva do processamento visual: ou seja, conforme as crianças amadurecem, a “energia” e atenção necessária para o processamento visual diminui.

Já a atividade no lobo temporal (responsável pelas respostas emocionais, memória de longo prazo e percepção auditiva)  aumentou conforme a idade das crianças avançava, principalmente nos anos iniciais da adolescência. De acordo com as pesquisadoras, este aumento também foi percebido em outros estudos de mapeamento cerebral realizados com pré-adolescentes de 10 a 13 anos, uma idade crítica de transição da infância para a adolescência. Ainda em relação à idade, as mudanças ao longo dos anos vista nos ERPs do lobo temporal ocorreram somente no hemisfério direito, fato evidenciado pela literatura quando se referem às tarefas de reconhecimento de expressões faciais. As pesquisadoras também constataram que no processamento das emoções negativas, havia uma grande atividade no lobo frontal (tomada de decisões, planejamento, modulação do comportamento social e emoções), o que aponta a utilização de processos mentais mais elaborados para compreender tais emoções e expressões faciais.

Entretanto, as expressões faciais de medo já eram reconhecidas por crianças do grupo mais novo, e estas apresentavam alguma atividade no lobo frontal. Segundo as autoras, uma hipótese para isso é o fato de a habilidade de reconhecer expressões de medo ser uma característica evolutiva adaptativa crucial para a sobrevivência de bebês e crianças, remontando a instintos primitivos.

O processamento emocional das crianças diferiu dos adolescentes, sendo que os adolescentes se aproximaram dos adultos. Em contrapartida, nas ondas frontais lentas, apesar de aparecer diferenças típicas de idade, o resultado foi mais significativo para imagens neutras e felizes nos grupos de diferentes idades. Em particular, o cérebro dos adolescentes, por ser mais maduro que o das crianças e ter um lobo frontal mais desenvolvido do que em idades inferiores, teve um processamento das emoções mais preciso e cada vez mais semelhante ao dos adultos. Mesmo assim, em todas as idades as imagens neutras e felizes foram mais reconhecidas.

As autoras do estudo concluíram com seus resultados que, apesar do reconhecimento de emoções faciais ser executado desde a infância, o processamento neural envolvido na percepção das expressões faciais se desenvolve de forma escalonada durante a infância, com o padrão adulto aparecendo apenas no final da adolescência.

Para refletir...

Implicações

Texto Os resultados deste estudo trazem informações significativas sobre os marcos desenvolvimentais para a habilidade de reconhecimento de expressões faciais emocionais da infância à vida adulta, servindo de base para outros estudos sobre o tema e para possíveis diagnósticos de déficits cognitivos. Este também foi um dos primeiros trabalhos a avaliar a atividade cerebral durante o processamento das emoções ao longo de diferentes etapas do desenvolvimento humano, possibilitando inferências sobre a habilidade de reconhecimento de expressões faciais e ressaltando o papel do amadurecimento do cérebro na precisão desta habilidade.

 

Suas conclusões podem ser, ainda, uma forma de mapear etapas de desenvolvimento. Desta forma, podem servir como critério para a exclusão de participantes em outros estudos envolvendo crianças e adolescentes.

Limitações da pesquisa

Algumas limitações devem ser consideradas:


1. Devido à vasta distribuição dos participantes em diferentes grupos conforme as faixas etárias, o número de participantes em cada grupo pode ser considerado pequeno comparado a outros estudos.

2. Outra limitação importante é o fato de não ter sido feita uma versão piloto antes de o estudo ser realizado: a etapa piloto poderia ter verificado se as etapas da tarefa estavam claras e se ela cumpre seus objetivos.

 

3. Também não foi realizada uma etapa treino com os participantes momentos antes do início da tarefa computadorizada. As etapas treino são importantes em estudos com tarefas computadorizadas, pois auxiliam o participante a se acostumar com a tarefa e os estímulos a serem apresentados.

 

4. O estudo não menciona, ainda, se os participantes da pesquisa são franceses ou canadenses (países onde as pesquisadoras atuam), sendo que a nacionalidade e a cultura de cada um destes países poderia interferir nos resultados do estudo.

Materiais Complementares

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Como citar este texto:

 

Loos, V. N. (2018). Maturidade cerebral e reconhecimento de expressões faciais na infância (Website Alfabetização Científica em Psicologia). Recuperado de: 

http://alfabetizacaopsico.wixsite.com/home/materia-6

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Referência:

O artigo Parents’ Emotion-Related Beliefs, Behaviors, and Skills Predict
Children's Recognition of Emotion
, de Castro e cols. (2015), pode ser lido na revista Infant and Child Development clicando aqui. 

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