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Desde que faça bem e não cause mal: opinião de psicólogos clínicos sobre Práticas Integrativas e Complementares.

Mariana Ladeira de Azevedo

29 de Agosto de 2018

Você sabe o que são as práticas integrativas e complementares? Você procuraria alguma destas práticas para manter ou promover sua saúde e seu bem-estar mental?

 

O uso das Práticas Integrativas e Complementares (PIC) tem aumentado nas últimas duas décadas com a finalidade de melhorar o bem-estar, inclusive, mental. Contudo, não se sabe como os psicólogos, profissionais que lidam justamente com a saúde mental, estão lidando com essa tendência. Adicionalmente, é necessário que esses profissionais estejam preparados para debater sobre a aplicabilidade das PIC com seus clientes, dando informações claras e corretas, agindo de acordo com o código de ética profissional que preconiza fornecer informações confiáveis aos pacientes. Com base nesta justificativa, um estudo de abordagem qualitativa explorou a questão das atitudes sobre aplicação e recomendação das PIC junto a profissionais de psicologia clínica.

O estudo de campo foi conduzido junto a 18 psicólogos clínicos (14 mulheres e 4 homens) em treinamento ou plenamente habilitados na Austrália. Os participantes foram recrutados através da rede social e profissional dos pesquisadores, junto a colegas profissionais, clínicas psicológicas universitárias e organizações públicas e privadas.

 

O estudo foi realizado por meio de entrevista individual e semiestruturada – seguindo um roteiro com perguntas abertas – com duração média de uma hora, realizada pela pesquisadora Vanina Marietti. O roteiro foi organizado em três sessões de discussão. Na primeira parte, abordou-se “Conhecimentos sobre PIC” – o que sabe sobre as PIC, riscos, benefícios e implicações científicas. Depois dessa parte, os participantes recebiam um material com definições, classificações e exemplos das PIC com base nas categorias do National Center for Complementary and Integrative Health, da Austrália, e tinham a possibilidade de refletir sobre o conhecimento percebido antes em relação à definição formal recebida. A segunda parte da entrevista abordou “Atitudes sobre PIC” e a terceira parte questionou sobre a “Experiência com PIC na clínica”.

 

Ao final, a entrevistadora resumia os conteúdos junto ao participante para garantir a validação qualitativa dos dados, abrindo debate para que cada participante pudesse alterar ou completar as informações. As entrevistas foram gravadas em áudio e transcritas literalmente (verbatim). Os relatos dos entrevistados foram tratados pelo método de análise temática indutiva, que resulta na codificação de temas e conceitos.

 

Como resultado, os temas emergentes foram organizados em três categorias: a) “Conhecimento sobre PIC”, b) “Atitude sobre PIC”, e c) “Experiência com PIC”. Na primeira categoria, constatou-se que as PIC são referidas em termos de ciência ocidental versus não-ocidental, mainstream versus abordagens não-tradicionais à medicina. A declaração de um dos participantes exemplifica este tema: “Não é prescrito por um médico nem distribuído por um farmacêutico”. Além deste, foi identificado o tema de que falta fundamentação científica e evidências que sustentem PIC. Os poucos participantes que leram revisões sistemáticas e meta-análises descreveram as pesquisas como “inconclusivas e que não são melhores do que um placebo”. Por fim, o tema “Incompatibilidade entre conhecimento percebido e real” advém de que os psicólogos hesitaram ao descrever as PIC, pois o conhecimento percebido era limitado. Ao receberem o material com as definições, classificações e exemplos, a maioria percebeu que seu conhecimento era, na verdade, maior do que imaginavam e também que estavam usando, de fato, alguma das PIC tanto pessoalmente quanto na prática clínica.

 

Na segunda categoria, “Atitude sobre PIC”, foi identificado o tema “Abertura ou pró-PIC”. Enquanto os psicólogos “pró-PIC” sustentavam uma atitude positiva forte sobre as práticas (são boas, funcionam), os “abertos às PIC” tinham uma opinião neutra sobre os benefícios. Também foi identificado o tema “Cético sobre PIC”, pois a maioria apresentou crenças contraditórias que dependiam do tipo/modalidade de PIC: “pilates é OK, mas quiropraxia eu recomendaria investigar melhor”. Outro tema identificado que coincide com o estudo citado no início deste artigo foi “Conhecimento e pesquisa modelam as atitudes”: os psicólogos que tinham atitudes mais positivas eram aqueles que acreditavam haver uma quantidade maior de pesquisas sustentando uma técnica. O tema “Receio de charlatões” aparece quando parte dos respondentes relatou perceber alguns terapeutas “alternativos” como charlatões. Outros expressaram preocupação sobre terapeutas integrativos desqualificados e não-profissionais atendendo e que poderiam potencialmente prejudicar/machucar os clientes. Outros aspectos interessantes sobre atitudes surgiram. Os psicólogos respeitarão o interesse do cliente e não desencorajarão a busca do cliente por uma técnica. Apesar de sua própria atitude, os psicólogos encorajarão a busca pelas PIC se isso aumentar os benefícios ao cliente, desde que não cause mal ou prejuízo. Por fim, quase metade relatou que era melhor adotar PIC como complemento e não de forma isolada.

 

Na terceira categoria, “Experiência com PIC”, surgiram temas como “Uso de guias prático-científicos”: a maioria dos respondentes não se sente confortável usando PIC com clientes se não houver evidência sustentado o propósito psicológico. Sendo a Psicologia uma ciência, a pesquisa é importante; os profissionais são orientados por um modelo prático-científico. O tema “Se não conheço, não faço” foi identificado, pois psicólogos declararam que treinamento e conhecimento avançado são essenciais antes de usar PIC em clientes. Se não tiverem treinamento numa PIC em particular, eles não aplicariam; recomendariam algum especialista profissional. Também enfatizaram que não tentariam ser experts em algo para o qual não foram treinados. Também gostariam de receber mais orientação sobre como usar as PIC. O tema “Aceitação de PIC valida PIC” trouxe um aspecto curioso: saber que uma determinada técnica é bem aceita entre outros psicólogos aumentaria a probabilidade de usar essa técnica com clientes. Essa crença é fundamentada na premissa de que aceitação valida a técnica como sendo apropriada para uso. Para os profissionais com registro provisório, a visão e o uso de PIC por seus supervisores era crucial para que eles as adotassem. Por fim, o tema “Estabelecer uma aliança terapêutica segura e protegida” é um tema identificado na maioria, segundo o qual a aliança terapêutica tem um papel fundamental na decisão de aplicar PIC nos clientes. As PIC também ajudariam a criar uma aliança terapêutica mais forte com os clientes.

 

Com base neste estudo de campo, concluiu-se que, sob uma perspectiva legal, é necessário desenvolver uma orientação ética clara sobre o uso das PIC voltada aos psicólogos, uma vez que os profissionais se identificam fortemente com o código de ética e também expressaram interesse em receber orientação sobre como integrar as PIC em sua prática. Além disso, descobriu-se que alguns psicólogos estão usando técnicas de PIC sem estarem cientes disso. Treinamento e conhecimento científico sobre as PIC deveriam ser integrados à formação acadêmica e ao desenvolvimento profissional para equipar melhor os psicólogos. O campo de pesquisa deve responder melhorando a qualidade das pesquisas com PIC para que fiquem evidentes os usos e limitações das PIC com propósito psicológico. Seria benéfico promover debates dobre o uso das PIC com propósito clínico para maximizar os benefícios e minimizar os danos aos clientes, otimizando os resultados do tratamento.

Para refletir...

Implicações

As reflexões identificadas pelo estudo, adicionadas de evidências de outros levantamentos sobre conhecimento, atitude e uso das PIC, justificam a necessidade de se investir em capacitação profissional e no desenvolvimento de diretrizes de melhores práticas sobre o uso de PIC para profissionais da saúde, em especial, psicólogos clínicos e hospitalares.

 

Também corrobora evidências existentes de que o uso pessoal de uma prática de saúde influencia a atitude e a probabilidade de se recomendar ou aplicar tal prática aos clientes. Isso sugere que práticas de saúde, inclusive as PIC, deveriam ser disponibilizadas nos currículos de formação acadêmica para que os futuros profissionais se sintam seguros e providos de informações que subsidiem a aplicação e/ou recomendação.

 

Por fim, promover atividades de divulgação científica sobre as PIC é fundamental para aproximar profissionais e evidências de eficácia, incorporando o uso e a recomendação das PIC.

Limitações da pesquisa

Algumas limitações devem ser consideradas:


1. A amostra possuía mais mulheres do que homens, embora essa distribuição seja comparativa com a profissão. Como já foram identificadas diferenças entre sexo em relação às PIC, sendo as mulheres mais propensas ao seu uso, pesquisas futuras poderiam aumentar a amostra de homens.

2. Essa pesquisa também não focou em técnicas específicas de PIC, então os dados podem ser generalizados apenas para o uso de PIC em geral.

3. Embora não priorize a quantificação, é uma limitação não ter identificada a prevalência das opiniões.

4. O trabalho publicado não especifica a data ou período histórico de realização das entrevistas.

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Como citar este texto:

 

Azevedo, M. L. (2018). Desde que faça bem e não cause mal: opinião de psicólogos clínicos sobre Práticas Integrativas e Complementares. (Website Alfabetização Científica em Psicologia). Recuperado de: 

http://alfabetizacaopsico.wixsite.com/home/materia-5-mindfulness-disposicional 

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Referência:

O artigo A qualitative investigation of Australian psychologists' perceptions about complementary and alternative medicine for use in clinical practice, de Hamilton & Marietti (2017), pode ser lido na revista Complementary therapies in clinical practice clicando aqui. 

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