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Quando acreditar faz a diferença: relações entre as crenças dos pais sobre emoções e a habilidade dos filhos em reconhecer expressões faciais

Victória Niebuhr Loos

01 de Agosto de 2018

Imagine as seguintes situações: um pai acredita que demonstrar emoções como raiva e medo pode prejudicar o desenvolvimento dos filhos, pois acha que as emoções são perigosas. Desta forma, evita demonstrar suas emoções e incentiva o mesmo comportamento nos filhos. Ou uma mãe acredita que demonstrar emoções como alegria e raiva pode se benéfico para seus filhos. Logo, incentiva-os a serem transparentes e expressarem suas emoções, assim como ela faz. Será que as crenças dos pais influenciam a habilidade dos filhos em reconhecer expressões faciais? A habilidade dos pais em reconhecer as emoções nos filhos é influenciada por suas próprias crenças?

Um estudo de quatro pesquisadoras vinculadas à Universidade da Carolina do Norte (EUA) procurou responder a essas perguntas. Seu objetivo foi verificar as influências da socialização das emoções parentais na habilidade de reconhecimento emocional das crianças durante a meia infância (8 a 11 anos). Para as autoras, a socialização das emoções é caracterizada por comportamentos que favorecem o aprendizado sobre as próprias emoções e as emoções do outro, tais como a conversa sobre os sentimentos, orientações sobre as emoções experenciadas em si e no outro, troca de experiências entre os membros familiares. Para as pesquisadoras, na meia infância ocorre  o “paradoxo da socialização”, que é o momento em que os pais ainda mantêm a sua influência sobre a competência socioemocional das crianças, mas estas desenvolvem, simultaneamente, maior autonomia comportamental. Estes aspectos foram evidenciados em outros estudos e ressaltam a importância da socialização das emoções para o desenvolvimento emocional infantil.

           

Devido à complexidade do estudo, as pesquisadoras elaboraram um modelo de socialização para alcançar seu objetivo, composto pelos seguintes itens, que elas acreditam que tenham influência na habilidade de reconhecimento de expressões faciais dos filhos:

a) as crenças dos pais sobre as emoções dos filhos;

b) a socialização relacionada às emoções por parte dos pais;

c) o comportamento dos pais;

d) as habilidades de reconhecer emoções dos pais;

As autoras basearam sua pesquisa na teoria da meta-emoção, utilizada em outros estudos sobre esta temática. A teoria afirma que pais que entendem as emoções como uma oportunidade valiosa de engajamento e intimidade estimulam comportamentos que são responsivos e encorajadores das emoções dos filhos, ao passo que pais que entendem as emoções como perigosas ou problemáticas tendem a ignorar, negar ou minimizar as emoções dos filhos. De acordo com a teoria, além das crenças dos pais, outros dois comportamentos parentais favorecem a habilidade de reconhecimento de expressões faciais das crianças:

1. Nomear: quando os pais explicitamente identificam e indicam para a criança a emoção que o outro está expressando.

 

2. Ensinar: quando os pais explicitamente descrevem para os filhos as causas e as consequências de uma experiência emocional.

Portanto, este estudo partiu das hipóteses de que:

a) a acurácia das crianças em reconhecer as emoções dos pais vai estar positivamente relacionada com as crenças dos pais sobre o valor e o perigo das emoções;

b) a acurácia das crianças em reconhecer as emoções dos pais vai estar negativamente relacionada com as crenças dos pais sobre seu dever de orientar o desenvolvimento socioemocional dos filhos;

c) a acurácia das crianças em reconhecer as emoções dos pais vai estar positivamente relacionada com o uso das técnicas de ensino e identificação das emoções;

d) a habilidade dos pais de reconhecerem as emoções dos filhos vai estar relacionada com a habilidade dos filhos reconhecerem as emoções dos pais.

Além disso, este estudo é um dos poucos com validade ecológica, ou seja,  procurou verificar a habilidade de reconhecimento de expressões faciais no momento em que os participantes as expressavam naturalmente, em situação criada para evocar as emoções, ao invés de utilizar tarefas computadorizadas com expressões faciais em fotos.

Para tanto, as pesquisadoras selecionaram 69 díades pais-criança, com filhos de 8 a 11 anos. Todos foram selecionados por conveniência e estavam vinculados a um outro estudo maior conduzido por Stelter e Halberstadt (2011). Os pais responderam a um questionário sobre as suas crenças em relação às emoções dos filhos enquanto os filhos eram entrevistados por uma das pesquisadoras em outra sala para uma tarefa não relevante para este estudo. Logo após, as díades pais-criança participaram de duas atividades que foram gravadas em vídeo com uma câmera para cada participante.

A primeira atividade foi a participação no jogo de tabuleiro Life Stories®, que promove a conversa sobre emoções por meio de cartas com perguntas relacionadas ao cotidiano das famílias norte americanas. As conversas foram transcritas e codificadas a partir dos comportamentos de nomear e ensinar (provenientes da teoria da meta-emoção) e analisadas por dois codificadores cada, para atingirem um consenso. A codificação para nomear e ensinar ocorreu somente quando o pai forneceu explicitamente um rótulo de emoção (ex: raiva, medo, alegria...).

A segunda atividade foi uma discussão para resolução de problemas entre pais e filhos, que foi subsequentemente utilizada para a mensuração do reconhecimento das próprias emoções e das emoções do outro. As discussões tinham sete minutos de duração, foram gravadas em vídeo e utilizavam problemas considerados de difícil acordo entre os participantes (ex: hora de dormir, relação com os irmãos, tarefas da escola...). Uma equipe de pesquisadores acompanhou a discussão e assistiu aos vídeos, fornecendo auxílio para a coleta de dados e para os procedimentos. A equipe selecionou trechos de 10 segundos de vídeo onde as crianças ou os pais expressavam alguma emoção (ex: alegria, tristeza, raiva...) e o trecho era exibido para a pessoa que expressou a emoção. Esta deveria dizer o que estava sentindo no vídeo e identificar a emoção vivenciada em uma tabela com seis emoções: alegria, curiosidade/surpresa/interesse, ansioso, raiva e tristeza. A outra pessoa da díade deveria ver o vídeo e identificar a emoção expressa pela sua díade.

Os resultados apontaram que os comportamentos dos pais de nomear e ensinar eram correlacionados moderadamente e positivamente, sugerindo que quanto mais os pais se envolvessem na nomeação das emoções, mais provavelmente eles também se dedicariam ao ensino. Em relação às hipóteses das autoras, apenas a primeira não se demonstrou verdadeira: as crenças dos pais na orientação do desenvolvimento emocional das crianças NÃO estavam relacionadas aos seus comportamentos de nomeação e ensino (o contrário do esperado). Além disso, o ensino não estava relacionado ao reconhecimento de emoções das crianças, e a nomeação estava positivamente correlacionada com o reconhecimento de emoções das crianças.

No entanto, como previsto nas hipóteses b e c, a crença de que os pais deveriam orientar a emoção das crianças estava negativamente correlacionada com a habilidade de reconhecimento de emoções das crianças, e o comportamento de socialização da nomeação dos pais e a habilidade de reconhecimento de emoções estavam positivamente correlacionados com a habilidade de reconhecimento de emoções das crianças. A hipótese d também confirmou-se, pois os resultados indicaram relações positivas entre a habilidades de reconhecimento de emoções dos pais e a habilidade de reconhecimento de emoções dos filhos – o que significa que se os pais conseguem interpretar as suas emoções e as dos outros, tendem a conseguir treinar e aprimorar esta habilidade em seus filhos.

Desta forma, as pesquisadoras alcançam seus objetivos, pois constataram a existência de relações entre a socialização das emoções parentais e a habilidade de reconhecimento emocional das crianças durante a meia infância. Estas relações dão-se a partir de um padrão de associações entre o desenvolvimento nas crianças da capacidade de compreensão e da habilidade de reconhecimento das emoções em relação às crenças dos pais sobre as emoções das crianças, os comportamentos de socialização das emoções e a habilidade de reconhecimento de emoções dos pais.

Para refletir...

Implicações

Seus resultados oferecem fundamentos científicos para a continuidade do trabalho de grupos de pais, oficinas de parentalidade e oficinas sobre o comportamento emocional infantil com os responsáveis das crianças, pois ressalta a importância do papel das crenças dos pais e da socialização das emoções para o desenvolvimento emocional de seus filhos.

O método utilizado para avaliar as expressões faciais em tempo real pode servir de modelo para outros estudos que almejem uma validação ecológica de sua pesquisa, principalmente para trabalhos cuja temática seja semelhante a deste estudo.

Limitações da pesquisa

Algumas limitações devem ser consideradas:


1. A amostra deste estudo é pequena, fato que dificulta a generalização das conclusões das autoras.

2. As discussões gravadas entre pais e filhos nem sempre eliciaram níveis altos de expressão de emoções nas díades, o que pode ter dificultado o processo de reconhecimento das mesmas.

 

3. Tendo em vista que as emoções eram expressas espontaneamente durante a discussão, o seu reconhecimento pode ter sido mais difícil para os participantes em comparação com os meios tradicionais de mensuração da habilidade de reconhecimento das expressões faciais, tal como as tarefas computadorizadas. Ou seja, se por um lado a validade ecológica da tarefa pode ser uma vantagem, por outro, ela pode suscitar resultados distintos das técnicas convencionais. Neste sentido, é importante que mais estudos com validade ecológica sejam realizados e comparados com os dados existentes em estudos que usaram tarefas computadorizadas.

Materiais Complementares

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Em alguns municípios do Brasil já existem práticas educativas para o desenvolvimento emocional de crianças no ensino básico e fundamental, sendo a principal delas o Amigos do Zippy em Casa, um programa com atividades lúdicas para serem realizadas em casa pelos pais e/ou responsáveis junto com suas crianças.

 

Foi desenvolvido para reforçar o que as crianças aprenderam ou estão aprendendo no Amigos do Zippy, um programa realizado nas escolas municipais e estaduais com crianças de 6 e 7 anos, cujo objetivo é ensinar a identificar sentimentos e conversar sobre eles, explorando as maneiras de lidar com esses sentimentos.

 

Mais detalhes sobre o programa podem ser obtidos clicando aqui

Para conhecer outros materiais complementares, clique aqui!

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Como citar este texto:

Loos, V. N. (2018). Quando acreditar faz a diferença: relações entre as crenças dos pais sobre emoções e a habilidade dos filhos em reconhecer expressões faciais (Website Alfabetização Científica em Psicologia). Recuperado de: 

http://alfabetizacaopsico.wixsite.com/home/materia-5-2

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Referência:

O artigo Parents’ Emotion-Related Beliefs, Behaviors, and Skills Predict Children’s Recognition of Emotion de Castro, Halberstadt, Lozada & Craig (2015), pode ser lido na revista Infant and Child Development clicando aqui. 

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