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Aumentando a consciência, diminuindo a negatividade

Lucas Martins do Nascimento

30 de Janeiro de 2017

É comum o conhecimento que meditação – de modo geral – proporciona tranquilidade, paz interior, relaxamento e estados afins. No entanto, você tem curiosidade de conhecer um pouco mais sobre os benefícios da meditação mindfulness? Uma pesquisa realizada pela University of North Carolina e West Virginia University, publicada na revista Journal of Research in Personality em 2014, verificou os efeitos do traço mindfulness e da meditação mindfulness sobre nossa percepção de estímulos negativos e positivos.

Estudos já apontam os benefícios do mindfulness na redução do estresse psicológico em populações clínicas e não-clínicas. No entanto, os mecanismos que favorecem estes efeitos precisam ser clarificados, tal como a relação entre mindfulness, estímulos afetivos (de valência positiva, negativa ou neutra) e estados afetivos internos.

Pesquisas demonstram que a tendência em produzir pensamentos positivos ou negativos influencia nossa saúde psicológica. Um exemplo deste fenômeno foi verificado em sujeitos pessimistas, nos quais o estilo cognitivo predisse comportamentos de evitação e menor persistência em resposta a estressores, enquanto que o otimismo contribuiu com o enfrentamento de problemas (coping em inglês).

 

Alguns estudos apontam que o traço mindfulness está relacionado com redução da negatividade, enquanto outros apontam uma associação com o aumento da positividade, não havendo consenso entre os pesquisadores. Para compreender este quadro, os pesquisadores Kiken e Shook realizaram o Estudo 1, com a contribuição de 159 graduandos voluntários que receberam horas curriculares em troca da participação.

Foi feita a aplicação de cinco instrumentos. O primeiro, Mindful Attention Awareness Scale (MAAS), avalia a capacidade de manter a atenção e a consciência no momento presente, juntamente com a qualidade de aceitação e receptividade. O segundo instrumento, Five Facet Mindfulness Questionnaire (FFMQ), mensura o traço mindfulness por meio de cinco fatores, sendo estes: não reatividade às experiências internas; observação das sensações, pensamentos e sentimentos; agir com consciência; descrever experiências internas; não julgar experiências. O terceiro questionário, The Ruminative Responses Scale-Short Form (RRS), mensura a ruminação por meio de duas facetas: ruminação negativa (pensamentos passivos e persistentes sobre humor negativo); e reflexão (ruminação positiva - descreve os esforços ativos para compreender sentimentos negativos). Referente ao quarto teste, The Responses to Positive Affect Questionnaire (RPA), foram utilizadas duas das três subescalas, sendo estas: foco em emoções e experiências somáticas; e foco em objetivos e afirmações pessoais. O quinto e último teste foi uma escala de afeto denominada Positive and Negative Affect Scale, a qual mede a quantidade de afetos negativos e positivos que a pessoa sentiu nos últimos dias.

Após correlações, os achados mostraram que o MAAS e o FFMQ (escalas de mindfulness) foram inversamente proporcionais aos escores de ruminação negativa. Em seguida, análises de regressões hierárquicas foram realizadas, verificando que maiores escores no MAAS foram um preditor significativo para menor ruminação negativa. No segundo passo desta análise, todas as escalas do FFMQ foram analisadas e apenas maior escore na faceta “Não julgar experiências” foi um preditor de menor ruminação negativa. No terceiro passo da regressão, controlando os dados do estado de afeto positivo, verificou-se que nem o MAAS, nem o FFMQ apresentaram relação significativa com ruminação positiva.

Os resultados replicaram estudos anteriores em que o traço mindfulness predisse menos ruminação negativa, enquanto não houve relação entre o mindfulness e pensamentos positivos. Para aprofundar a compreensão sobre estas relações, os pesquisadores realizaram o Estudo 2.

 

 

 

O Estudo 2 objetivou ampliar a investigação avaliando de forma direta os efeitos de uma sessão de meditação mindfulness sobre a ruminação. Foram comparados os efeitos da indução de mindfulness com uma condição de atenção desfocada, em resposta a estímulos afetivos. A amostra selecionada por conveniência foi composta por 102 graduandos (diferentes do Estudo 1), novamente com recompensa de horas curriculares. 

Neste experimento, metade dos participantes (Grupo 1) ouviu uma gravação de 10 minutos para indução de mindfulness, com instruções para uma respiração consciente (mindful, em inglês) e uma postura atenta às sensações da cada inspiração e expiração, como uma âncora para o momento presente. Em complemento, também foram instruídos a reconhecer os pensamentos e sensações do momento sem julgamentos. Já o grupo controle (Grupo 2) recebeu orientações para deixarem suas mentes livres para pensarem no que quisessem.

Após, para avaliar a valência dos pensamentos em resposta a estímulos positivos e negativos, os participantes visualizaram quatro imagens de valência positiva e quatro negativas, de um banco internacional de imagens (International Affective Picture System). Antes de visualizar cada imagem, os participantes indicavam seu estado afetivo em uma escala de um único item. Após, tinham 20 segundos para observar o estímulo (imagem) e registrar todos os pensamentos que percebiam surgir em sua mente em decorrência da imagem. Para determinar se os pensamentos dos participantes enfatizavam uma valência positiva, negativa ou neutra, as respostas foram contabilizadas e categorizadas nestas três categorias. Por fim, os participantes respondiam ao questionário MAAS. O esquema a seguir ilustra a ordem dos procedimentos.

 

As primeiras análises correlacionais verificaram que os grupos não se diferenciaram em seus níveis do traço mindfulness, bem como em práticas anteriores de meditação. Para testar as diferenças entre os Grupos 1 e 2, sobre as proporções de pensamentos positivos, negativos e neutros diante de estímulos (imagens) de valência positiva e negativa, foi conduzida uma análise ANOVA.

Foi identificado que diante de imagens negativas, o Grupo 1 listou proporcionalmente menos pensamentos negativos, enquanto que as respostas positivas não se diferenciaram entre os grupos. Frente imagens positivas, a proporção de pensamentos negativos e positivos não diferenciou-se entre os grupos. É interessante ressaltar que, de modo geral, o grupo com a breve prática meditativa listou mais pensamentos neutros comparado ao Grupo Controle.

Em resumo, os resultados do Estudo 1 - composto por um método correlacional - e do Estudo 2 - de natureza experimental - sugerem que mindfulness reduz pensamentos que enfatizam negatividade e não relaciona-se com a mudança de pensamentos que enfatizam positividade. Estes dados corroboram uma crescente literatura que sugere que mindfulness pode reduzir a ênfase cognitiva na negatividade e na ruminação. Deste modo, este estudo contribui para a compreensão dos benefícios da meditação mindfulness para a saúde mental e sua relação com processos psicológicos.

Para refletir...

ESTUDO 2

ESTUDO 1

Implicações

O Estudo 1 demonstrou que o traço mindfulness pode estar associado com menor ruminação negativa. É importante destacar que este dados dizem respeito ao traço de personalidade, portanto, é uma característica que pode ser desenvolvida até em sujeitos que nunca meditaram, mas que buscam e/ou possuem uma postura mindful com a vida. Portanto, talvez você não seja um fã pela prática de meditação, mas pode desfrutar destes resultados para entender melhor e desenvolver este traço. Do ponto de vista psicológico, esta informação pode ser conciliada com algumas demandas clínicas, incentivando técnicas terapêuticas que visem reforçar este traço e complementar o processo terapêutico. O quadro depressivo, por exemplo, é tipicamente marcado pelo pessimismo e ruminação negativa. Sugere-se que neste contexto são úteis abordagens que busquem facilitar uma perspectiva mais mindful.

O Estudo 2 demonstrou que uma breve prática meditativa não influenciou os pensamentos positivos dos participantes. Porém, o achado sobre a redução da ênfase nas respostas negativas abre uma grande oportunidade para ser explorada. Por exemplo, há possibilidade de que pessoas com alta irritabilidade, ou que estão passando por um dia difícil, possam se beneficiar com apenas 10 minutos de mindfulness, exercitando uma consciência sem julgamento do próprio pensamento, prestando atenção à respiração profunda, assim transformando sua percepção frente os desafios da rotina.

Limitações da pesquisa

Algumas limitações devem ser consideradas:


1. Em ambos os estudos (1 e 2), a amostra foi composta exclusivamente por graduandos selecionados por conveniência. Deste modo, os resultados não necessariamente podem ser generalizados para outras populações ou quadros clínicos.

2. O Estudo 1 utilizou apenas instrumentos de autorrelato para avaliar mindfulness. É importante considerar que atualmente existem diferentes definições operacionais de mindfulness (e, portanto, diferentes instrumentos que medem este construto). Assim, não é possível concluir se este resultado seria obtido com todas as demais escalas.

3. Referente ao Estudo 2, é possível que uma breve prática de mindfulness gere efeito sobre a positividade, porém o pequeno grupo amostral pode não ter sido sensível para detectar esta alteração. Além disso, é possível que uma intervenção mais longa, ou uma experiência de longo prazo, também possam exercer efeito sobre a positividade, já que a prática foi relativamente curta (10 minutos).

4. É possível que mindfulness facilite apenas alguns tipos de pensamentos que enfatizam a positividade ou que influencie pensamentos positivos apenas em determinado contexto, tal como a vida pessoal, o que não foi abarcado no presente estudo. Este aspecto deve ser investigado futuramente.

Materiais Complementares

Livro: O Cérebro de Buda

Escrito pelo Dr. Rick Hanson, este livro dialoga conteúdos da neurociência moderna e práticas tradicionais do budismo, explicando como podemos modificar o funcionamento do nosso cérebro com a vontade própria, para nosso benefício. Visto que nosso cérebro é flexível para novos aprendizados ao longo de toda a vida, o autor usa deste conhecimento neurocientífico, aliado aos conhecimentos budistas, para explorar estratégias de como utilizar a nossa consciência para melhorar nosso bem-estar e desempenho cognitivo, assim como modificar hábitos e até relacionamentos interpessoais.

Para conhecer outros materiais complementares, clique aqui!

Como citar este texto:

 

Nascimento, L. M. (2017). Aumentando a consciência, diminuindo a negatividade (Website Alfabetização Científica em Psicologia). Recuperado de: 

http://alfabetizacaopsico.wixsite.com/home/materia-4-mindfulness

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Referência:

O artigo Does mindfulness attenuate thoughts emphasizing negativity, but not positivity?, de Kiken & Shook (2014), pode ser lido na revista Journal of research in personality clicando aqui.

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