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O que a escola pode fazer por crianças com autismo?

Douglas Garcia

22 de Maio de 2017

O Transtorno do Espectro Autista (TEA), conhecido comumente como Autismo, é um conjunto de sinais e sintomas que afetam o desenvolvimento infantil, trazendo implicações para a aprendizagem da criança no contexto escolar. Muitas são as pesquisas científicas que são desenvolvidas para melhor compreender e intervir sobre este tipo de transtorno.

Interessados em auxiliar crianças com autismo na escola, pesquisadores norte-americanos da Universidade Estadual de Portland desenvolveram e testaram um programa para crianças autistas de três a cinco anos de idade. O programa trata-se de um modelo de tratamento abrangente, o qual considera aspectos da realidade autista que vão além das dificuldades de aprendizagem das crianças. O programa chama-se Comprehensive Autism Program (CAP), e é composto por um conjunto de cinco intervenções baseadas em evidências com as crianças, além de outro componente de intervenção que envolveu o treinamento dos pais no processo de intervenção.

Para testar o programa CAP, os pesquisadores sortearam algumas escolas dos estados de Washington e Oregon, nas quais deveria haver no mínimo três crianças com autismo e cujos respectivos pais e professores deveriam estar disponíveis para participar da pesquisa. As crianças que participaram da pesquisa tinham um diagnóstico médico de autismo ou foram avaliadas por meio de um questionário, o qual depois de preenchido dava uma pontuação que permitia identificar se a criança tinha ou não autismo.

Uma questão importante na pesquisa foi o fato de que nos Estados Unidos as crianças autistas das escolas pesquisadas já recebiam por parte dos seus professores algumas intervenções que auxiliavam em algumas dificuldades de aprendizagem. Portanto, os pesquisadores indagaram-se como eles saberiam que as crianças que receberiam o seu programa não apresentariam melhoras em decorrência das intervenções que os seus professores já tinham o hábito de oferecer? Para tentar resolver essa questão, os pesquisadores compararam os resultados da aplicação do programa CAP para um grupo de crianças, com os resultados da intervenção usual dos professores (os quais já lidavam com crianças autistas) para outro grupo de crianças.

O programa CAP é um conjunto de cinco práticas baseadas em evidências, que aconteciam ao longo do dia ou em momentos específicos, sendo implementado durante um ano em cada escola que participou da pesquisa. Duas práticas, conhecidas respectivamente como arranjo ambiental e suporte visual, eram aplicadas ao longo do dia e tinham a função de promover aprendizagem de comunicação, interação social e habilidades de comportamento social. Também foram aplicadas as estratégias comportamentais dentro da rotina, as quais duravam 15 minutos diários e tinham a função de desenvolver a comunicação, a interação social, o comportamento social, cognição e as habilidades adaptativas na escola e em casa. A quarta prática do programa CAP foi o treinamento de resposta dinâmica, que também foi aplicado em sessões diárias de 15 minutos e tinha como função construir uma interação espontânea e expandir as habilidades dentro de situações casuais. A quinta e última prática era o treinamento experimental discreto, que também era aplicado durante 15 minutos diários, e tinha a função de promover a aquisição de linguagem, aspectos cognitivos e habilidades escolares.

A pesquisa objetivou avaliar o impacto do programa CAP sobre cinco características de crianças autistas, a saber: comportamento adaptativo, habilidade cognitiva, linguagem expressiva, linguagem receptiva e habilidades sociais. Além disso, os pesquisadores queriam saber se o seu programa era melhor do que a intervenção que os professores já faziam. Cada uma dessas características das crianças foi avaliada por meio de um ou mais instrumentos (questionários ou inventários), tanto antes da intervenção (pré-teste), como depois (pós-teste), para avaliar se houve diferença ao final da aplicação do programa. Ao todo, a pesquisa durou três anos e envolveu 78 escolas, dentre as quais participaram 302 alunos com autismo e seus respectivos professores e pais. Cada criança foi avaliada somente durante um ano.

 

Os resultados da pesquisa demonstraram efeitos positivos do programa CAP sobre as características das crianças autistas avaliadas, porém as crianças que não receberam o programa CAP também apresentaram melhorias muito semelhantes em decorrência das intervenções que os professoras já sabiam utilizar. Especialmente na linguagem receptiva (refere-se ao vocabulário auditivo, ou seja, o repertório de palavras que a criança consegue identificar ao escutar) e nas habilidades sociais (refere-se a comportamentos sociais e comportamentos problemáticos que poderiam afetar as relações na escola e em casa), o programa CAP apresentou melhoras em comparação com o grupo de estudantes que recebeu a intervenção usual, sendo que essa diferença foi considerada leve ou moderada, conforme indicado pelo tamanho de efeito obtido na análise estatística. Outro dado importante foi o fato de que os alunos que foram avaliados com autismo leve ou moderado tiveram mudanças maiores, ou seja, se beneficiaram mais, do que alunos que foram avaliados com autismo de severidade alta.

Para refletir...

Implicações

Disseminar, na escola, programas que previnam problemas em saúde e/ou promovam comportamentos saudáveis é uma tendência na educação mundial. A pesquisa aqui apresentada apresenta parte dos esforços científicos que têm sido feitos para o desenvolvimento e a avaliação desses programas, os quais são testados em sua eficácia e efetividade.

No Brasil, a criança com necessidade de educação especial, tal como o autismo, tem o direito assegurado a participar do ensino regular com apoio especializado, conforme versa o §1, do artigo 58, do capítulo 5, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Nesse sentido, a implementação de programas e a respectiva avaliação de seus resultados é importante para que esse direito de crianças autistas seja assegurado em uma perspectiva de formação inclusiva. Apesar dessa necessidade, poucos programas escolares para crianças autistas e pesquisas científicas para avaliá-los são realizados para embasar esta necessidade e para aprimorar a educação inclusiva brasileira.

Uma das políticas públicas brasileiras relacionadas à saúde que desponta como uma potencial ferramenta para intervir sobre a demanda do autismo é o Programa Saúde na Escola (PSE), o qual foi criado por meio do decreto 6.286 de 2007, e tem por orientação planejar ações que considerem o contexto escolar e social, o diagnóstico local em saúde da criança, bem como a capacidade operativa em saúde da criança escolar.

Limitações da pesquisa

Algumas limitações devem ser consideradas:


1. Os alunos que receberam o programa CAP apresentaram um nível de severidade de autismo um pouco maior do que os alunos que não receberam. Seria melhor se houvesse uma distribuição mais uniforme do nível de severidade de autismo dos participantes das duas condições.

2. Muitas intervenções/técnicas que foram ensinadas aos professores que deveriam implementar o CAP também eram conduzidas pelos professores que já faziam as intervenções usuais com os autistas (grupo controle). Além disso, os professores que implementaram o CAP também continuaram fazendo outras atividades que já faziam antes para intervir sobre o autismo. Isso significa que as mudanças observadas também podem ser parcialmente explicadas por outras intervenções ou técnicas, e quetalvez a diferença dos resultados do grupo do CAP e do grupo controle tivesse sido maior, caso no grupo controle não tivessem sido aplicadas técnicas tão semelhantes.

Materiais Complementares

Já pensou como a tecnologia pode se tornar um importante aliado para lidar com a problemática do autismo? Uma das intervenções que os professores da pesquisa relataram utilizar com os seus alunos autistas foi a metodologia TEACCH, a qual compreende uma forma de auxiliar na aprendizagem das crianças. Baseado nesta metodologia, a Dokye Mobile desenvolveu um aplicativo de celular chamado ABC do Autismo, a qual você pode baixar gratuitamente na PlayStore do seu smartphone com sistema operacional Android.

O aplicativo tem quatro níveis de dificuldade, 40 fases interativas e está disponível em português, inglês e espanhol. Segundo os desenvolvedores, o mesmo pode ser utilizado por professores, psicólogos e terapeutas na avaliação de crianças autistas.

Clique aqui para conferir o aplicativo!

Para conhecer outros materiais complementares, clique aqui!

Como citar este texto:

Garcia, D. (2017). O que a escola pode fazer por crianças com autismo? (Website Alfabetização Científica em Psicologia). Recuperado de: 

http://alfabetizacaopsico.wixsite.com/home/materia-4-2

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Referência:

O artigo Randomized, Controlled Trial of a Comprehensive Program for Young Students with Autism Spectrum Disorder, de Young, Falco & Hanita (2016), pode ser lido na revista Journal of Autism and Developmental Disorders clicando aqui. 

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