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Você presta atenção no seu coração?

Lucas Martins do Nascimento

25 de Julho de 2016

Você presta atenção nos seus batimentos cardíacos diariamente? Acredita que isto seria relevante? Sabe-se que a frequência cardíaca (FC) é um indicador fisiológico de respostas emocionais, tal como estresse e ansiedade, podendo estar diretamente relacionado com o estado de saúde de uma pessoa. Normalmente não prestamos atenção em nossa frequência cardíaca e consideramos este processo corporal como algo independente de nosso controle. Um estudo realizado por Ellen Langer, Laura Delizonna e Ryan Williams, da Universidade de Stanford e Harvard, publicado na revista Journal of Adult Development em 2009, investigou os efeitos da manipulação da atenção consciente (mindfulness) sobre a FC e o impacto desta atenção na habilidade de modular este comportamento fisiológico.

 

Mindfulness, na perspectiva de Ellen Langer, é um estado mental ativo caracterizado pelo engajamento da atenção e da consciência no momento presente com o objetivo de desenvolver maior sensibilidade ao contexto, tal como a percepção de novas distinções, a busca de novidades e a flexibilidade mental. Sendo assim, Langer propõe uma abordagem sócio-cognitiva de mindfulness que se diferencia da perspectiva oriental de mindfulness (meditativa), pois na concepção de Langer este padrão mental ativo baseia-se em uma atividade essencialmente cognitiva e reflexiva.

 

Estudos mostram que é possível aumentar os níveis de atenção consciente através de recursos simples, como instruções prévias e pistas ambientais. O uso destes recursos parece auxiliar na modificação de hábitos e comportamentos que aumentam nossa percepção sobre diversas experiências, até mesmo respostas corporais. A partir destes conhecimentos, os autores hipotetizaram que o grupo que treinaria uma maior atenção consciente das variações da FC seria mais capaz de aprimorar o controle desta atividade fisiológica.

 

Com objetivo de manipular diferentes graus de atenção consciente (mindfulness), o experimento contou com a colaboração de 43 indivíduos universitários e trabalhadores de um hospital (sendo 27 mulheres), com idades entre 19 e 62 anos (média de 31.2 anos), divididos em quatro grupos que seguiam diferentes orientações durante uma semana.


Grupo 1 - Alta atenção para a variação da FC

As pessoas deste grupo tinham que monitorar sua FC a cada três horas a partir do momento que acordavam e em cada monitoramento tinham que calcular a diferença da FC (número de batimentos) em comparação à mensuração anterior. Os participantes também registravam a atividade que estavam realizando antes de cada monitoramento.

 

Grupo 2 - Atenção moderada para a variação da FC

Nesta condição, os participantes monitoravam a FC duas vezes ao dia, em horários diferentes conforme as orientações do experimentador. Assim como no grupo 1, em cada monitoramento os indivíduos também calculavam a diferença da FC em comparação à mensuração anterior e registravam a atividade que estavam realizando anteriormente.

 

Grupo 3 - Atenção para a estabilidade da FC

Neste grupo, as pessoas monitoravam a FC diariamente, sempre em dois horários fixos, a saber, logo antes de dormir e logo após acordar. As pessoas deste grupo não precisavam calcular as diferenças da FC entre as duas mensurações.

 

Grupo 4 - Sem monitoramento da FC

Neste grupo, as pessoas apenas registravam suas atividades em andamento a cada três horas, sem realizar o monitoramento da FC.

 

Após este período de uma semana, os sujeitos foram submetidos à uma atividade em que deveriam, primeiramente, aumentar sua FC voluntariamente em dez tentativas de cinquenta segundos e, posteriormente, diminuí-la em outras dez tentativas. Os participantes não podiam usar estratégias de respiração controlada ou tensionar músculos e eram instruídos com a seguinte sentença: “use sua mente para mudar sua frequência cardíaca”. Visto que todas as pessoas tendem a naturalmente diminuir sua FC em estado de repouso, neste experimento, a condição de aumento da FC não considerou uma medida de aceleração da FC propriamente dita, mas a capacidade da pessoa retardar a diminuição esperada da FC em um estado de repouso.

 

Como resultado deste experimento, Langer, Delizonna e Williams observaram uma diferença significativa entre o Grupo 3 (Atenção para a estabilidade da FC) e o Grupo 1 (Alta atenção para a variação da FC). Mais especificamente, o Grupo 1 apresentou um bom desempenho na capacidade de aumentar sua FC voluntariamente (isto é, de retardar a diminuição da FC), enquanto o Grupo 3 não conseguiu controlar a FC, pois rapidamente a FC diminuiu no estado de repouso.

 

De acordo com os autores, os resultados da pesquisa sugerem que o estado de mindlessly (ausência ou baixa atenção consciente) sobre processos corporais pode inibir habilidades de autorregulação e favorecer o entendimento que estes processos, tal como a FC, são estáveis e não suscetíveis a controle, tal como aconteceu no Grupo 3. Por outro lado, pode-se inferir que uma maior atenção consciente (mindfulness) sobre as variações da FC, tal como foi treinado no Grupo 1, estimula uma maior percepção e, consequentemente, um maior controle sobre esta.

 

Outros estudos demonstram que a habilidade de melhor perceber a atividade da FC pode ser generalizada para outros indicadores corporais. Deste modo, a técnica de mindfulness pode ser uma ferramenta psicológica importante para que as pessoas adquiram mais controle e percepção de sintomas corporais, tal como dor de cabeça, ansiedade e estresse.

 

Existem outras técnicas para incrementar o controle consciente da FC, sendo um dos métodos mais populares o biofeedback, validado em diversos estudos científicos. Apesar de sua eficiência, a implementação do biofeedback pode demandar altos gastos financeiros e a devida capacitação para o uso da tecnologia. Os achados de Langer, Delizonna e Williams demonstraram a possibilidade de desenvolver a autorregulação da FC sem custos por meio da atenção consciente.

Para refletir...

Implicações

Este estudo demonstra que pequenas mudanças em nossos hábitos perceptivos podem interferir significativamente em nossa habilidade de modular a FC. Os autores destacam o potencial desta técnica no campo da saúde, visto sua contribuição para o autoconhecimento do corpo e para a capacidade de autorregulação e, portanto, para a potencial redução dos efeitos de doenças e sintomas. Pessoas com transtornos de ansiedade podem, por exemplo, se beneficiar destes conhecimentos incrementando o autocontrole sobre respostas fisiológicas desencadeadas em crises e ataques de ansiedade.

 

Há diversas populações que podem desfrutar destas habilidades. Pré-vestibulandos e universitários, por exemplo, podem aplicar técnicas de mindfulness para controlar os sintomas do estresse gerado por rotinas desgastantes. Outro público que pode se beneficiar da técnica de mindfulness encontra-se nos esportes de alto rendimento. Sabe-se que atletas precisam da habilidade de sustentar sua atenção durante as competições para atingir o sucesso, ignorando estímulos distratores como o barulho da torcida e flashs de câmeras. Nesse sentido, manter o alto nível de concentração pode requerer anos de prática e a técnica de mindfulness pode acelerar este aprendizado, bem como fortalecer esta habilidade em competidores experientes.

Limitações da pesquisa

Algumas limitações devem ser consideradas:


1. Os autores não mencionaram qualquer cuidado metodológico sobre orientação para a privação de café, por exemplo. O consumo de cafeína poderia influenciar na segunda etapa do experimento, quando os participantes são solicitados a controlar sua FC.

 

2. Como o autores reconhecem, a amostra pequena enfraquece os resultados, mesmo que tenham encontrado significância. Além disso, o público composto por universitários e colaboradores de um hospital não necessariamente representam a maioria das pessoas.

Como citar este texto:

 

Nascimento, L. M. (2016). Você presta atenção no seu coração? (Website Alfabetização Científica em Psicologia). Recuperado de: 

http://alfabetizacaopsico.wix.com/home#!blank-15/e2ucf

Referência:

O artigo The Effect of Mindfulness on Heart Rate Control, de Langer, Delizonna & Williams (2009), pode ser lido na revista Journal of Adult Development clicando aqui. 

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