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Leve a vida "na boa"

Lucas Martins do Nascimento

24 de Janeiro de 2017

Você sabia que alguns traços de personalidade podem “predizer” seu desempenho e persistência em tarefas difíceis? E que estes traços modelam nossos comportamentos e atitudes, incluindo o modo como reagimos ao estresse? Com o objetivo de aprofundar estas questões, um estudo de 2014, realizado pelas organizações Park Science Center e Duke Integrative Medicine nos Estados Unidos, publicado na revista Personality and Individual Differences, conduziu uma investigação explorando a relação dos conceitos de mindfulness e ruminação.

 

O desfecho central desta pesquisa foi a “tolerância ao estresse psicológico” (distress tolerance em inglês), ou DT. Esta é compreendida como a capacidade de suportar (tolerar) estados internos desagradáveis provocados por estressores. Conforme explicitado no artigo, a DT está intrinsecamente relacionada com a capacidade de manter persistência em uma tarefa difícil ou estressante. Portanto, persistência e DT serão utilizados como sinônimos.

 

No campo científico, a DT costuma ser investigada em laboratório por meio da persistência em tarefas desafiadoras e desagradáveis. Diante deste contexto, o presente estudo verificou se as facetas que compõem o traço de ruminação - caracterizada pelo foco repetitivo nos sintomas, causas e consequências do estresse - e mindfulness - atenção ao momento presente com uma postura de aceitação e sem julgamentos -  poderiam influenciar a persistência frente um estressor em ambiente laboratorial.

 

Participaram da pesquisa 100 estudantes de graduação do sexo feminino, com idade média de 20,5 anos, com incentivo de receberam horas curriculares. Estas foram submetidas a um paradigma de indução de estresse mental que permitiu avaliar a persistência em um teste computadorizado (Mirror Tracing Persistence Task Computerized Version - MTPT-C). Este exercício requereu que os participantes deslizassem um ponto vermelho com o cursor do mouse ao longo das linhas de três formas geométricas. Primeiramente, foram duas formas simples (uma linha reta e um L) com tempo de 60 segundos cada. Posteriormente, a forma de uma estrela com tempo de 5 minutos. Havia possibilidade de desistência em qualquer momento do experimento. O ponto movia-se de forma oposta ao mouse e todos usaram a mão esquerda, a fim de evitar habilidades prévias com o uso do mouse. A cada erro o participante ouvia um alerta e voltava a desenhar a forma do início. Os erros consistiam em mover o mouse para fora da forma ou hesitar mover o cursor por 2 segundos.

 

A figura abaixo ilustra uma versão deste teste em que utiliza-se papel, caneta e espelho ao invés do computador.

Neste estudo foram coletados dados da frequência cardíaca e condutância da pele com objetivo de compreender as respostas do corpo frente ao experimento. Em complemento, aplicaram-se instrumentos psicométricos a fim de verificar os traços psicológicos. O primeiro instrumento (Five Facets Mindfulness Questionnaire) mediu o traço mindfulness e teve três facetas analisadas: Agindo com atenção, que corresponde a tendência de agir de modo consciente e concentrar-se em experiências do momento presente; Não julgar, que relaciona-se à tendência para aceitar pensamentos e sentimentos sem julgá-los como bons ou ruins; e Não reagir, a qual avalia a tendência de permitir que pensamentos e sentimentos surjam à consciência, sem reagir ou ser absorvido afetivamente por estes. O segundo questionário (Response Style Questionnaire) teve duas facetas analisadas: Ruminação, a qual aborda a ruminação passiva sobre humor negativo; e Reflexão, a qual envolve esforços ativos para compreender sentimentos negativos. O terceiro instrumento (Positive and Negative Affect Schedule) foi uma escala que mede a presença de afeto positivo e negativo, tendo esta sido aplicada antes e após o exercício de DT.

 

As primeiras análises estatísticas de amostras pareadas verificaram que durante a tarefa experimental a condutância da pele aumentou significativamente, indicando a ativação do sistema nervoso simpático. O aumento na condutância da pele foi associado com menor DT, sugerindo que sujeitos que ficaram mais “estressados” ou estimulados obtiveram desempenho inferior (i.e., menor persistência na tarefa). No entanto, os dados da frequência cardíaca não sofreram alterações significativas, enquanto as respostas de afeto negativo aumentaram significativamente após a tarefa, confirmando que a tarefa foi capaz de gerar estresse.

 

Correlações revelaram que um maior escore nas facetas “agindo com atenção” e “reflexão” foram associadas com maior persistência. A faceta “ruminação” foi correlacionada com maior incremento do afeto negativo pós tarefa, enquanto que “não julgar” e “não reagir” relacionaram-se com menor aumento no afeto negativo.

 

Por fim, análises de regressões múltiplas hierárquicas demonstraram que “agindo com consciência”, “reflexão” e a “condutância da pele” foram os preditores significativos e confiáveis de DT. É importante ressaltar que “agindo com consciência” e “reflexão” compartilham aspectos de processamento cognitivo, estando relacionados com o uso ativo de estratégias de coping e resolução de problemas.

 

As variáveis “não julgar”, “não reagir” e “ruminação” não foram preditores de DT, porém apresentaram relações com a reatividade subjetiva (afeto negativo). Os autores sugerem que estas facetas não refletem tanto processos cognitivos, demonstrando maior sensibilidade aos processos afetivos, tal como evidenciado pela sua relação com o incremento do afeto negativo após indução de estresse. Já a ausência de correlações entre a persistência na tarefa e a reatividade subjetiva (afeto negativo) sugere que estes parâmetros constituem aspectos distintos da capacidade de tolerar estresse.

 

Em resumo, os resultados deste estudo apoiam a relevância dos conceitos de mindfulness e ruminação para a compreensão da DT, porém devemos nos atentar às características específicas das facetas que compõem estes constructos. Os autores destacam que compreender a DT é importante para desenvolver estratégias em processos psicoterapêuticos, tal como ajudar pacientes a resistir a experiências angustiantes e comportamentos autodestrutivos, ou facilitar a prevenção de desistências e atritos prematuros em tratamentos de dependências.

Para refletir...

Implicações

Este estudo demonstra que os construtos mindfulness e ruminação podem influenciar aspectos do seu modo de vida, tal como seu estilo cognitivo para enfrentar dificuldades e estresse cotidiano. Pesquisas como esta reforçam a importância de conhecermos nossos padrões mentais e comportamentais, bem como nossos traços de personalidade, para desenvolvermos estratégias de proteção e enfrentamento de estresse.

 

Além dos cuidados com a saúde, outro ponto interessante que pode ser discutido a partir destes resultados é a capacidade de manter o desempenho cognitivo no mundo dos esportes e do alto rendimento. Considerando a importância do mindfulness e da ruminação sobre a persistência em tarefas estressantes, podemos hipotetizar que os achados desta pesquisa são úteis para contextos competitivos onde os atletas precisam persistir em suas estratégias e manter o foco no momento presente, sem distrair-se com outros estímulos e dificuldades, a fim de finalizarem as provas e/ou tornarem-se campeões.

Limitações da pesquisa

Algumas limitações devem ser consideradas:


1. Conforme o autor destaca, apesar do estudo agregar dados fisiológicos, comportamentais e de autorrelato, pesquisas futuras devem apurar outros traços psicológicos importantes, como a competitividade.

 

2. Também comentado pelo autor, o estudo possui um público exclusivamente feminino, apesar de pesquisas anteriores indicarem que não há diferença significativa de sexo em tarefas de persistência baseadas em DT.

 

3. A amostra é composta exclusivamente por universitárias, portanto, estes resultados não podem ser generalizados para toda a população da região onde desenvolveu-se a pesquisa (não informada com precisão pelos autores).

Materiais Complementares

Vídeo:

Como permanecer calmo quando você sabe que estará estressado.

(How to stay calm when you know you'll be stressed)

 

Com o estudo destacado anteriormente compreendemos a importância de alguns traços de personalidade para o enfrentamento de situações estressoras. No entanto, como podemos começar a praticar mudanças em nossos hábitos para evitar estas situações? O neurocientista Daniel Levitin explica os prejuízos que sofremos quando estamos sob estresse e apresenta estratégias de antecipação e planejamento que podem mudar nossas tomadas de decisão, nossos métodos de organização e até o olhar sobre o nosso próprio futuro.

Para conhecer outros materiais complementares, clique aqui!

Como citar este texto:

 

Nascimento, L. M. (2017). Leve a vida "na boa" (Website Alfabetização Científica em Psicologia). Recuperado de: http://alfabetizacaopsico.wixsite.com/home/materia-3-mindfulness

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Referência:

O artigo Mindfulness and rumination as predictors of persistence with a distress tolerance task, de Feldman, Dunn, Stemke, Bell & Greeson (2014), pode ser lido na revista Personality and Individual Differences clicando aqui.

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