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Do medo à raiva: reconhecimento de expressões faciais ao longo das idades

Victória Niebuhr Loos

20 de Junho de 2018

Você já se perguntou se as emoções são reconhecidas da mesma forma por crianças e adultos? Ou se a habilidade de reconhecimento de expressões faciais varia ao longo do desenvolvimento humano?

Uma pesquisa da Universidade de Duke, nos Estados Unidos, procurou esclarecer estas indagações. Os neurocientistas Michael Bellis, Reiko Graham, Kevin LaBar e Laura Thomas, todos vinculados a esta universidade, realizaram seu estudo com o objetivo de investigar as diferenças no desenvolvimento emocional ao longo da vida por meio do reconhecimento de expressões faciais.

Os autores basearam seu trabalho em outras pesquisas de neuroimagem que haviam demonstrado a existência de padrões de ativação neuronal diferentes para relembrar expressões faciais em adolescentes, como mudanças no córtex pré-frontal, e regiões relacionadas à emoção, como o córtex cingulado anterior e o lobo temporal. Para elas, essas diferenças anatômicas e funcionais que ocorrem na infância tardia e na adolescência vão ao encontro da literatura behaviorista sobre o tema e sugerem que a habilidade de reconhecimento de expressões faciais não atinge a sua maturidade até a vida adulta. Desta forma, emoções como raiva e medo, que sabidamente dependem de áreas cerebrais de maturação tardia, podem ter um desenvolvimento mais tardio, resultando em uma maior precisão na habilidade de reconhecimento destas expressões faciais.

Portanto, este estudo partiu da hipótese de que os adultos teriam um desempenho melhor do que as crianças e os adolescentes na tarefa de reconhecimento de expressões faciais e o reconhecimento das expressões de raiva teria um tempo de desenvolvimento tardio se comparado ao reconhecimento das expressões de medo.

 

Para tanto, os pesquisadores selecionaram 31 crianças com idades de 7 a 13 anos, 23 adolescentes de 14 a 18 anos e 48 adultos entre 25 e 57 anos. Todos foram selecionados por conveniência e estavam vinculados às atividades realizadas no Programa de Pesquisa de Traumatologia e Desenvolvimento do Cérebro Saudável na Infância, do Departamento de Psiquiatria e Ciências Behavoristas da Universidade de Duke.  Os participantes adultos eram os pais dos participantes crianças. Para serem incluídos no estudo, todos os selecionados não deveriam ter: 1) histórico de abuso de substâncias, alcoolismo ou transtornos psiquiátricos; 2) trauma significativo, perda de consciência ou de memória; 3) histórico de exposição perinatal a substâncias nocivas; 4) obesidade severa ou atraso no crescimento; 5) QI abaixo de 60; e 6) histórico de maus tratos.

Os sujeitos participaram de uma tarefa computadorizada com o objetivo de avaliar a habilidade de reconhecimento de expressões faciais. A tarefa apresentava imagens de expressões faciais emocionais do banco de figuras de afeto de Ekman. Todas as expressões faciais foram cortadas em formas ovais para não produzirem interferência de cabelo, orelhas ou brincos. As imagens eram morfologicamente alteradas de três maneiras: neutra-raiva, neutra-medo, medo-raiva. Mais de 10 modelos foram utilizados para as transformações. A tarefa foi realizada duas vezes com cada participante e funcionava da seguinte maneira: após aparecer uma tela de fixação por 1000ms, uma das imagens aparecia por 3000ms e depois o participante deveria apertar 1 se achava que a figura demonstrava uma face neutra e 2 se demonstrava raiva.

 

Os seus resultados apontaram que os adultos demonstraram maior facilidade para perceber pequenas alterações nas expressões faciais do que adolescentes e crianças, visto que estes dois grupos etários demoraram mais para identificar as emoções em todas as categorias.  Ao analisar as variações na expressão de “neutro para medo” e “medo para a raiva”, os autores observaram uma trajetória de desenvolvimento linear, ou seja, conforme a idade cronológica avançava, aumentava a precisão no reconhecimento das expressões de medo. Já as variações na expressão de “neutro para raiva” apontaram uma trajetória de desenvolvimento quadrática, ou seja, entre a infância e a adolescência não houve diferenças na habilidade de reconhecimento da raiva, mas esta expressão  foi sendo reconhecida com maior precisão a partir da adolescência e vida adulta.

 

Estes resultados podem indicar uma maturação tardia dos processos cognitivos e afetivos do córtex pré-frontal límbico. Essa maturação tardia tem implicações para transtornos de desordem afetiva, tais como ansiedade e depressão, pois para os pesquisadores há evidências na literatura de que os  déficits no reconhecimento de expressões faciais são um componente da disfunção social nos transtornos de humor que ocorrem na vida adulta.

Implicações

Para refletir...

Esta pesquisa traz fundamentos para novos estudos sobre o desenvolvimento atípico da habilidade de reconhecimento de expressões faciais em crianças com transtornos mentais e transtornos externalizantes, por exemplo, já que a habilidade de reconhecimento pode variar conforme a idade e conforme o tipo de emoção.

Este estudo fornece, ainda, subsídios para a criação ou aprimoramento de políticas públicas que priorizem o desenvolvimento das competências emocionais em crianças e adolescentes, tais como o Programa Amigos do Zippy e a Associação pela Saúde Emocional das Crianças (ASEC), ambas inciativas brasileiras para a promoção da educação emocional no país.

Limitações da pesquisa

Algumas limitações devem ser consideradas:


1. O estudo pode apresentar um viés de seleção, pois os adultos participantes são os pais das crianças participantes, e foram todos recrutados por conveniência no programa da universidade.

2. Outro fator que pode interferir nos resultados é o número desigual de participantes de cada grupo: o estudo conta com a participação de menos adolescentes (23) se comparado à quantidade de adultos (48) e de crianças (31).

 

3. Também não é mencionado no artigo se foi realizada uma etapa treino com os participantes, algo fundamental e frequente em pesquisas que utilizam experimentos com tarefas computadorizadas.

Materiais Complementares

Página da ASEC

 

O site da ASEC traz informações sobre as políticas públicas brasileiras em favor da saúde emocional, bem como cursos e programas voltados a professores e profissionais da saúde que tenham interesse em implantar os programas da ASEC e do governo brasileiro para a educação emocional infanto-juvenil em sua comunidade.

 

Acesse clicando aqui.

Para conhecer outros materiais complementares, clique aqui!

Como citar este texto:

 

Loos, V. N. (2018). Do medo à raiva: reconhecimento de expressões faciais ao longo das idades (Website Alfabetização Científica em Psicologia). Recuperado de: 

http://alfabetizacaopsico.wixsite.com/home/materia-3-5

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Referência:

O artigo Development of emotional facial recognition in late childhood and adolescence, de Thomas, De Bellis, Graham & LaBar (2007), pode ser lido na revista Developmental Science clicando aqui. 

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