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Jogue videogames, mas não esqueça dos seus amigos!

Lucas Martins do Nascimento

12 de Dezembro de 2017

Os EUA e outros países desenvolvidos vivem uma realidade hiperconectada, em que a maioria dos jovens possuem contato frequente com videogames. A maioria dos estudos indicam que, em escalas moderadas, isto pode trazer benefícios, mas quando em excesso os videogames podem trazer alguns problemas comportamentais relacionados à adição. Este cenário mobilizou diversos debates na área da saúde e a criação da categoria do Transtorno de Jogos pela Internet (IGD - Internet Gaming Disorder) no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais V, publicado em 2013.

 

Apesar de bastante pesquisa na área, ainda há dúvidas sobre o limiar para diferenciar indivíduos com hábitos de heavy gaming (rotina pesada de jogo, com muitas horas) saudáveis e não saudáveis. Os indivíduos saudáveis são chamados de Engaged Gamers, os quais não apresentam quadros psicopatológicos atrelados ao comportamento de jogar e são positivamente engajados com videogames. Já os indivíduos não saudáveis praticam o chamado Problematic Gaming (PG), onde ocorre a perda de controle sobre a prática com videogames atrelada a prejuízos clínicos.

 

Diante deste contexto, pesquisadores da Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health em Baltimore nos EUA, aliados a outras organizações publicaram um estudo na revista Computers in Human Behavior, com a ideia de examinar por meio de diversos comportamentos e sintomas se o IGD está associado estritamente com a prática de videogames, ou se este diagnóstico requer investigações sobre diversas mídias sociais para uma avaliação mais precisa.

Utilizou-se um banco de dados com 10.804 voluntários de 439 classes de 30 escolas respondentes do Monitor Internet and Youth Study, uma pesquisa escolar anual com propósito de avaliar o uso de tecnologias e bem-estar psicológico na Holanda. Foram utilizados dados de 2009 à 2012 dos seguintes questionários:

 

1. Depressive Mood List: para avaliar sintomas de depressão.

 

2. UCLA Loneliness Scale: para avaliar sintomas de solidão.

 

3. Social Anxiety Scale Revised: para avaliar sintomas de ansiedade social.

 

4. Rosenberg’s Self-Esteem Scale: para avaliar a autoestima.

 

5. Network of Relationships Inventory: para avaliar a qualidade das amizades.

 

6. Video game Addiction Test (VAT): para verificar a frequência de sintomas e comportamentos aditivos relacionados ao uso de videogames.

 

Também registrou-se hábitos sobre enviar mensagens instantâneas e uso de redes sociais. A amostra foi dividida em dois grupos, de alto e baixo uso de videogames. O primeiro grupo jogava videogames no mínimo 4 horas por dia em 6 dias da semana, e o segundo grupo possuía qualquer outro comportamento relacionado ao uso de videogames, incluindo nenhum contato com esta tecnologia.

 

Hipótese 1) Grupos caracterizados por altos níveis de PG devem ter os menores níveis de interação social online.

 

Os dados sobre interações sociais online possibilitaram diferenciar heavy gamers em não-sociais e sociais, os quais se diferenciam do primeiro grupo por possuírem uma vida social ativa no espaço virtual com a mesma frequência de jogo. Os resultados apontaram que os engaged gamers compõem um grupo em que o contato frequente com jogos são parte de sua interação social saudável. Portanto, estes resultados confrontam a estrutura do atual diagnóstico de IGD, sugerindo que deva investigar as interações sociais por meio dos videogames.

 

Hipótese 2) Os grupos de jogadores sociais e não-sociais devem diferir em seu bem-estar psicossocial.

 

Em geral, os grupos não-sociais reportaram piores escores de bem-estar psicológico em comparação aos sociais. O público feminino de engaged gamers apresentou menos solidão e ansiedade social que a média das mulheres, ainda que este grupo também tenha reportado autoestima abaixo da média.

 

Referente ao grupo masculino com menos interação social, avaliados como “em risco” pelo Videogame Addiction Test e com comportamentos de jogar extensivamente, estes foram associados com ansiedade social. Além disso, garotos “em risco” apresentaram maiores escores de solidão, sugerindo que comportamentos de heavy gaming sem o suporte social online podem ser estratégias de coping mal-adaptativas.

 

Hipótese 3) Indivíduos com mais interações sociais online devem ter melhor qualidade de amizade online.

 

Esta hipótese se confirmou apenas em mulheres, onde o grupo de engaged gamers sociais apresentou amizades de melhor qualidade tanto em espaços online quanto offline (vida real) em comparação com a média normativa. Um dado inesperado pelos pesquisadores foi que jogadores “em risco” que relataram baixos escores de interação social, avaliaram tanto suas amizades online como offline como de alta qualidade. Este dado pode refletir uma concepção diferente por parte dos adolescente sobre a natureza das amizades, mas este tópico deverá ser investigado com mais atenção em futuras pesquisas.

Para refletir...

Implicações

Esta pesquisa ressalta a importância da interação social online como uma variável significativa para investigar comportamentos de Problematic Gaming e consolidar diagnósticos de Transtorno de Jogos pela Internet. Essa pesquisa também desmistificou algumas preocupações em torno do uso de videogames por períodos extensos, que associavam esta prática ao isolamento social. Os resultados indicam que é possível haver rotinas que envolvam comportamentos de heavy gaming, mantendo relações sociais saudáveis pelo meio virtual. No entanto, pode-se verificar que comportamentos de heavy gaming aliados ao descaso ou impossibilidade de desenvolver contatos sociais online pode acarretar em prejuízos emocionais. Um dos espaços que podemos projetar a aplicação deste conteúdo é a clínica terapêutica, em que profissionais da área de saúde mental podem incentivar interações sociais saudáveis, ao invés de focarem exclusivamente no tempo de envolvimento com os videogames.

Limitações da pesquisa

Algumas limitações devem ser consideradas:


1. Dado a natureza transversal da pesquisa, os autores ressaltam a impossibilidade de definir uma relação causal entre jogar videogame e bem-estar psicossocial.

 

2. Outro fator destacado foi a possibilidade de um viés de desejabilidade social nos instrumentos de autorrelato.

 

3. Esta pesquisa poderia ser complementada por dados de biomarcadores, tal como a frequência cardíaca, com objetivo de inferir sobre o estresse de diferentes grupos, por exemplo.

 

4. A amostra foi dividida em dois grupos, primeiramente com indivíduos que jogavam videogames no mínimo 4 horas por dia em 6 dias da semana, e o segundo grupo poderia apresentar qualquer outro comportamento relacionado ao uso de videogames, incluindo nenhum contato com esta tecnologia. O segundo grupo envolve uma grande discrepância entre sujeitos que poderiam ter uma extensa rotina com jogos e até mesmo nenhum contato com esta tecnologia. É comum entre as pesquisas na área estabelecer critérios mais rígidos para este segundo grupo, que podemos compreender como “não jogadores”.

Materiais Complementares

Matéria:

Video games may improve children's intellectual and social skills, study finds

 

Um estudo conduzido na Mailman School of Public Health em Nova Iorque, investigou a saúde mental de milhares de crianças entre 6 e 11 anos, apontando que jogar videogames pode trazer benefícios intelectuais e habilidades sociais mais desenvolvidas em comparação com não jogadores.

 

Para ler esta matéria, clique aqui. 

Para conhecer outros materiais complementares, clique aqui!

Como citar este texto:

 

Nascimento, L. M. (2017). Jogue videogames, mas não esqueça dos seus amigos! (Website Alfabetização Científica em Psicologia). Recuperado de: 

http://alfabetizacaopsico.wixsite.com/home/materia-3-4

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Referência:

O artigo Video gaming in a hyperconnected world: A cross-sectional study of heavy gaming, problematic gaming symptoms, and socializing in adolescents, de Carras e colaboradores (2017), pode ser lido na revista Computers in Human Behavior clicando aqui. 

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