
Terapia Cognitivo Comportamental para casos de Transtorno do Estresse Pós-Traumático: Importância do Desenvolvimento de Fatores Positivos durante o Tratamento
Angela Andreolli Schussler
07 de Novembro de 2016
Muitos são os estudos de psicologia que buscam compreender e verificar as patologias que acometem as pessoas. Entretanto, um número menor de estudos tem aprimorado seus objetivos para compreender “o lado bom” dos aspectos psicológicos. Pensando nisso, um grupo de pesquisadores do Rio de Janeiro buscou compreender o constructo de resiliência. Especificamente, eles investigaram os impactos da Terapia Cognitivo Comportamental nos fatores neurobiológicos relacionados à resiliência.
O que motivou os estudiosos foi a falta de pesquisas investigando os correlatos neurobiológicos dos potenciais benefícios do tratamento para o Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT). Segundo os autores, existem diversos estudos que relatam os aspectos autonômicos e neuroendócrinos do TEPT. Por exemplo, uma pessoa que passa por uma situação muito traumática, continua sentindo seu coração acelerar ou sente que está mais atenta a qualquer perigo a sua volta após o ocorrido; nestes casos podemos estudar os aspectos biológicos relacionados ao trauma. O que os autores questionam é a falta de estudos que consideram estes aspectos e muitos outros durante o tratamento deste trauma. Ainda há, segundo Norte e colaboradores, pouca atenção aos estados psicológicos positivos que podem ser produzidos durante uma intervenção psicológica para TEPT.
Logo, os autores trazem o constructo de resiliência como fator a ser investigado. Segundo eles, “a resiliência é um processo dinâmico que envolve a interação entre fatores de risco e proteção, internos e externos ao indivíduo, e que age na regulação dos efeitos de eventos adversos da vida”.
A pesquisa foi desenvolvida foi por meio de um estudo de caso, com um homem de 45 anos de idade, cuja situação traumática vivenciada envolveu dois assaltos com arma de fogo no Banco no qual trabalhava. Essa pessoa foi diagnosticada com todos os critérios que caracterizam o transtorno de estresse pós-traumático, além de depressão maior, transtorno de pânico e transtorno obsessivo compulsivo. Primeiramente, iniciou-se um tratamento farmacológico com paroxetina durante 32 meses. Posteriormente, as análises constataram que houve remissão total dos sintomas de transtorno do pânico e de transtorno obsessivo-compulsivo. Entretanto, houve remissão parcial nos sintomas de transtorno de estresse pós-traumático e depressão maior. Devido a isso, iniciou-se o tratamento psicológico com a terapia cognitivo-comportamental (TCC). Para esse caso particular, a terapia foi conduzida baseando-se no protocolo de Foa e Rothbaum, o qual inclui psicoeducação, relaxamento e treino de respiração, exposição imaginária, exposição gradual in vivo, reestruturação cognitiva e prevenção de recaída. Ainda, houve introdução de cooterapia, ou seja, acompanhamento de mais um profissional de psicologia no processo terapêutico de recuperação. Foram realizadas um total de 48 sessões ao longo de 4 meses. O protocolo escolhido para a terapia deve-se ao fato de ser um tipo específico para casos em que o paciente é resistente ao tratamento farmacológico anterior. É importante ressaltar que o paciente persistiu fazendo uso dos medicamentos durante o tratamento da TCC.
Os testes de avaliação psicométrica foram feitos antes do início do tratamento com TCC e no final, sendo estes: PTSD Checklist-Civilian (PCL-C), Inventário Beck de Depressão (BDI), Inventário Beck de Ansiedade (BAI), Escala de Afeto Positivo e Negativo – Versão Traço (PANAS-T), Escala Ego-Resiliency e Escala de Apoio Social do Medical Outcomes Study. Além disso, foram feitos registros fisiológicos de respiração, eletrocardiografia e atividade eletrodérmica, e também houve coleta de saliva para medir a concentração dos hormônios cortisol e DHEA. O cortisol é o hormônio secretado durante momentos de estresse; já o DHEA (de-hidroepiandrosterona) é um possível hormônio de proteção ao estresse, estando relacionado a momentos de resiliência. Com relação à eletrocardiografia, foram realizadas análises espectrais no registro eletrocardiográfico para extrair a variabilidade da frequência cardíaca em alta frequência (AF) e baixa frequência (BF), para analisar o tônus vagal cardíaco (AF) e o balanço de atividade simpática (BF/AF).
Os resultados da pesquisa mostraram-se satisfatórios no que diz respeito a eficácia da TCC neste caso. O paciente relatou melhora nas cognições e comportamentos relacionados ao TEPT, logo, frases como “Eu estou sempre em risco” ou “Algo de ruim pode acontecer comigo a qualquer momento” foram substituídas por frases que mostravam uma cognição adaptativa e realística de momentos em que não havia nenhum perigo de fato. Houve ainda redução nos comportamentos evitativos do paciente, sendo que esse atualmente frequenta lugares que antes do tratamento não conseguia, como shoppings, mercados, bancos.
Além disso, os fatores negativos diminuíram após o tratamento (afeto negativo: redução de 40%, sintomas de TEPT: redução de 40%, depressão: redução de 19,6%, ansiedade: redução de 28,6%); e os fatores positivos aumentaram após o tratamento (apoio social: aumento de 33,3%, resiliência: aumento de 23,1%). Os índices fisiológicos da atividade autonômica também apresentaram redução após a TCC, sendo que a frequência cardíaca teve uma redução de 3,2%, o balanço simpático de 39,4%, a frequência respiratória de 5,7% e a condutância da pele de 19,6%. Por fim, o hormônio cortisol apresentou uma queda de 5,4% e a DHEA aumentou em 118,2%. Os autores concluíram que o tratamento baseado na TCC pode ser eficaz tanto para auxiliar os pacientes com TEPT a reduzirem os sintomas negativos que acompanham a condição, como para aumentar a experiência de fatores positivos que favorecem processos de resiliência.
Para refletir...
Implicações
Este estudo nos mostra a importância de pesquisas que ressaltem os fatores positivos, especificamente a resiliência, como um processo a ser explorado durante tratamentos e intervenções psicológicas. Além disso, mostra como os fatores positivos são ferramentas importantes durante o tratamento psicológico como possível mecanismo de recuperação psíquica e estabilidade emocional. A prática psicológica clínica, por muito tempo, atentou-se somente à diminuição de prejuízos ao cliente, ou seja, a eliminação de fatores prejudiciais à saúde. Entretanto, o bem-estar também se deve à promoção de saúde.
Limitações da pesquisa
A grande limitação dessa pesquisa deve-se ao fato de ser um estudo de caso, de forma que a generalização e a análise estatística tornam-se inviáveis. É de se pensar, portanto, na ampliação deste tipo de pesquisa com relação ao número de participantes, para que se possa qualificar ainda mais a eficácia da TCC em aspectos relacionados à resiliência.
Apesar de ser uma pesquisa que abrange diversos fatores (bioquímicos, fisiológicos, comportamentais, subjetivos), não há, entretanto, uma análise de fatores socioeconômicos desse sujeito. Se este homem supostamente vivesse em um contexto urbano, próximo a muita movimentação de pessoas e diversos fatores estressores no cotidiano, possivelmente uma mudança significativa no comportamento desde sujeito ocorreria caso ele se mudasse para um outro contexto (p.e. cidade pequena ou praia). E, se essa mudança acontecesse durante o tratamento da TCC ela poderia ser, em grande parte, responsável pelos resultados positivos encontrados nesta pesquisa.