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Habilidades de Mindfulness: fórmula anti-estresse psicológico

Lucas Martins do Nascimento

17 de Março de 2017

O nível de cortisol ao acordar (CAR) é a mensuração da quantidade total de concentrações de cortisol até 45 minutos após o despertar, sendo compreendido como um indicador da ativação do eixo hipotalâmico-pituitária-adrenal (HPA). De acordo com a literatura científica, esta ativação do eixo HPA e os índices mais elevados de CAR estão associados a maiores níveis de estresse. O texto a seguir apresenta um estudo realizado pela University of California em 2014 que buscou responder a seguinte questão: será que sujeitos com maiores índices de mindfulness disposicional (MD) possuem respostas mais atenuadas de CAR? Poderiam as habilidades de mindfulness influenciar as relações entre o CAR e estados psicológicos negativos, tal como ansiedade e ruminação?

Os autores definem mindfulness disposicional como a habilidade de estar consciente das experiências do momento presente, juntamente a uma postura de aceitação e não julgamento. O MD envolve o aumento da consciência de experiências internas, em que pensamentos e emoções são percebidos como eventos mentais passageiros, ou seja, sem necessariamente influenciar como a pessoa se sente ou determinar como deve comportar-se. Os estudos de MD mostram que esta habilidade tem o potencial de prevenir padrões cognitivos disfuncionais, assim como incentivar respostas mais adaptativas a estressores. Sendo assim, o MD é compreendido como um potencial moderador da relação entre estresse psicológico e o índice CAR.

 

Neste estudo, MD foi mesurado por meio de duas facetas: descrever e aceitar. Pesquisas indicam que o exercício de descrever experiências internas de modo consciente tende a reduzir a identificação com estados de humor negativos, devido à capacidade de poder melhor reconhecer e discriminar os estados internos. Já a segunda faceta refere-se à aceitação de pensamentos e sentimentos indesejados, no sentido de não julgá-los ou não criar resistência aos mesmos. Achados indicam que indivíduos que tendem a descrever ou abster-se de julgar pensamentos negativos (aceitação) possuem uma reatividade emocional reduzida. Portanto, o modo como nos relacionamos com experiências e pensamentos pode refletir na duração e intensidade das respostas fisiológicas ao estresse.

 

Visto a ausência de pesquisas que clarifiquem a influência do MD sobre a relação entre estresse psicológico e o CAR, os autores conduziram uma investigação levantando as seguintes hipóteses: 1) indicadores de estresse psicológico, tal como o estresse percebido, afeto negativo, ansiedade e ruminação estariam positivamente relacionados com o CAR; 2) MD estaria negativamente relacionada ao CAR; 3) As duas facetas de MD moderariam a relação entre os níveis de estresse e CAR.

 

A pesquisa investigou 43 mulheres inscritas em um programa de intervenção baseado em mindfulness, com uma pequena remuneração pela participação. Os critérios para a seleção foram: pré-menopáusicas; com excesso de peso e obesas; sem antecedentes de diabetes, doença cardiovascular ou distúrbio endócrino; sem experiência prévia com meditação ou yoga. Salienta-se que para este estudo as participantes ainda não haviam recebido o programa, de forma que o objetivo não compreendeu avaliar o efeito do mesmo.

 

O experimento se consolidou em duas etapas. Primeiramente os participantes responderam cinco escalas de autorrelato: 1) Kentucky Inventory of Mindfulness Skills (KIMS), para avaliar as duas facetas de MD - Descrever e Aceitar -; 2) Spielberger State-Trait Anxiety Inventory (STAI), para mensurar o nível de ansiedade; 3) Perceived Stress Scale (PSS), para avaliar a percepção do estresse vivenciado no último mês; 4) Rumination and Reflection Questionnaire (RRQ), para avaliar a ruminação; e 5) Positive and Negative Affect Scale (PANAS), com objetivo de avaliar apenas o afeto negativo. Na segunda fase da pesquisa, os pesquisadores coletaram amostras de saliva para a avaliação dos níveis de cortisol. As coletam aconteceram nas casas dos participantes, durante quatro dias, 30 minutos após o despertar.

Conforme a primeira hipótese dos autores, o estresse percebido, afeto negativo, ansiedade e a ruminação foram positivamente relacionados com o CAR, quando analisados individualmente em regressões. Estes dados sustentam a relação destes índices autorrelatados de estresse com o maior nível de CAR.

 

Com relação à segunda hipótese, os níveis de CAR foram negativamente relacionados com Descrever e Aceitar. Em outras palavras, podemos inferir que índices mais elevados das duas facetas de MD implicam em menores níveis de estresse, verificado pelo índice reduzido de CAR.  

 

Para verificar se as duas facetas de MD moderariam a relação entre os níveis de estresse psicológico e CAR (terceira hipótese), foram desenvolvidas etapas mais avançadas de análises, por meio de regressão hierárquica múltipla.

 

Dentre as análises que incluíram a faceta Aceitar, observou-se que esta habilidade impacta sobre a relação entre CAR e os índices de afeto negativo e ansiedade. Ou seja: afeto negativo e ansiedade não se associaram a altos níveis de CAR quando as pessoas apresentaram elevados escores de Aceitar, demonstrando que esta habilidade ajudou a diminuir o impacto do afeto negativo e da ansiedade sobre a liberação de cortisol.

 

Análises da faceta Descrever demonstraram um efeito moderador desta habilidade para os índices de ruminação e ansiedade. Ou seja: ruminação e ansiedade não se associaram a altos níveis de CAR quando as pessoas apresentaram elevados escores de Descrever, demonstrando que esta habilidade também diminuiu o impacto da ruminação e da ansiedade sobre o CAR.

 

Em suma, os autores sugerem que uma maior competência nas facetas Descrever e Aceitar de MD está relacionada com a redução da ativação do eixo HPA, conforme indicado pela associação entre menores níveis de CAR e menores níveis de estresse psicológico. Portanto, podemos inferir que as habilidades de Aceitar e Descrever podem ajudar a diminuir o efeito de julgamentos, ruminações negativas, comportamentos ansiosos e humor negativo na resposta de CAR, ou seja, na reatividade ao estresse.

Para refletir...

Implicações

Os próprios pesquisadores salientam que seria importante levar em consideração o contexto cultural para estudar estas variáveis. Estudos prévios demonstram que culturas asiáticas, por exemplo, possuem a tendência de aceitar emoções negativas como parte da vida, enquanto ocidentais vivenciam as emoções negativas com menos aceitação, buscando evitá-las. Neste sentido, é natural desgostarmos de sentir emoções negativas. Porém, podemos buscar inspirações para o melhor manejo destas emoções e desenvolvimento de estratégias adaptativas através de abordagens de origem oriental, como a meditação de atenção plena, denominada prática de meditação mindfulness.

 

Outra alternativa para promover a resiliência a emoções negativas são as tecnologias de biofeedback, as quais estão se popularizando nos setores clínicos e hospitalares, auxiliando intervenções de profissionais da saúde. Técnicas de biofeedback visam proporcionar o aumento do controle consciente de respostas fisiológicas autonômicas por meio do treinamento destes padrões fisiológicos. Estes treinos costumam ser em formato de jogos que desafiam o participante a explorar seu corpo e cérebro para desenvolver meios de reduzir a frequência cardíaca e respiratória, por exemplo. Ao final desta página, nosso material complementar sugere conteúdo que apresenta os potenciais do biofeedback de baixo custo.

Limitações da pesquisa

Algumas limitações devem ser consideradas:


1. De acordo com os autores, pesquisas futuras podem controlar de forma mais precisa o horário de coleta de saliva, por meio de dispositivos acoplados aos instrumentos de coleta salivar que façam um registro automatizado. Isto porque neste estudo apenas os próprios participantes relatavam a hora da coleta, de forma que a informação não pôde ser averiguada.

2. Uma avaliação mais detalhada de outros domínios do MD (além de Aceitar a Descrever), por meio do uso de outras escalas de MD, pode ajudar a ampliar o entendimento do efeito do mindfulness disposicional na regulação do estresse psicológico e na produção do CAR.

3. Esses resultados são derivados de um delineamento transversal, ou seja, uma única avaliação em uma única ocasião. Portanto, não podemos ter certeza sobre a direção causal da relação entre as variáveis. Do mesmo modo, a pesquisa não permite verificar se outras variáveis, tal como predisposições genéticas e exposições ambientais, poderiam influenciar os resultados encontrados.

4. A amostra foi composta apenas por mulheres com excesso de peso e obesas (dentre outros critérios), o que dificulta a generalização destes resultados para outras populações.

Materiais Complementares

Vídeo: E se você pudesse monitorar seu estresse?

 

Nesta palestra o professor de psicologia Emílio Takase ressalta a importância do automonitoramento do estresse por meio da variabilidade da frequência cardíaca. Tendo em vista que os aparelhos laboratoriais e hospitalares (de alta precisão) possuem preços muito elevados para a população em geral e para o sistema público de saúde, este professor desenvolveu alternativas sustentáveis de monitoramento de estresse com custo de menos de 10 reais, as quais podem ser agregadas ao computador, smartfone e aplicativos gratuitos!


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Como citar este texto:

 

Nascimento, L. M. (2017). Habilidades de Mindfulness: fórmula anti-estresse psicológico  (Website Alfabetização Científica em Psicologia). Recuperado de: http://alfabetizacaopsico.wixsite.com/home/materia-2-mindfulness-disposicional

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Referência:

O artigo It's not what you think, it's how you relate to it - dispositional mindfulness moderates the relationship between psychological distress and the cortisol awakening response, de Daubenmier, Hayden, Chang & Epel (2014), pode ser lido na revista Psychoneuroendocrinology clicando aqui. 

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