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O que  a ansiedade e a depressão tem em comum? O que contribui para a incidência destes transtornos nos adolescentes? O que a personalidade dos pais tem a ver com isso? Será que ela influencia a educação e a formação dos filhos?

Um estudo da Universidade de Cambridge procurou responder estas questões. Em particular, teve como objetivo investigar a relação entre os traços de personalidades disfuncionais paternas e maternas e os riscos de desenvolver ansiedade, depressão e auto-mutilação na adolescência dos filhos.

Primeiramente, os pesquisadores do estudo definiram personalidade e explicaram o que são  considerados traços disfuncionais de personalidade. Para eles, a personalidade é constituída pelas diferenças individuais nos padrões de pensar, sentir e agir. Os traços disfuncionais consistem em características que interferem negativamente no relacionamento com outras pessoas e no desenvolvimento humano, principalmente em aspectos associados à educação e às práticas parentais. 

Pesquisar a relação destes traços disfuncionais maternos e paternos com os riscos de desenvolver transtornos mentais na adolescência é muito importante, pois atualmente os transtornos mentais estão entre os que mais acometem a população mundial, inclusive os adolescentes. Deste modo, o estudo justifica a sua importância reforçando a relevância da compreensão do surgimento de depressão e ansiedade nesta fase da vida para propor intervenções e ações preventivas, bem como para fornecer subsídios para novas pesquisas. Além disso, os autores destacam que há pouca quantidade de estudos sobre esta interação entre traços de personalidade paternas e maternas e a incidência de transtornos mentais nos adolescentes.

Para realizar este estudo, os pesquisadores optaram por colher seus dados em dois momentos: aos 9 anos dos filhos e depois aos 18 anos destes. Na primeira etapa (aos 9 anos), eles colheram os dados de 2.793 mães e filhos e 1.857 pais e filhos participantes do Avon Longitudinal Study of Parents and Children (ALSPAC), um estudo de coorte de base populacional do Reino Unido. Os pais e mães responderam o Karolinska Scales of Personality (KSP), um instrumento de avaliação da personalidade que mensura quinze traços de personalidade relevantes para o funcionamento psicológico e a vulnerabilidade para transtornos psiquiátricos. Por meio do KSP, os pesquisadores recolheram dados sobre a personalidade dos pais e mães e a existência ou não de traços disfuncionais de personalidade.

Na segunda etapa do estudo, apenas os filhos, então adolescentes, participaram. Eles responderam a versão revisada do Clinical Interview Schedule – Revised (CIS-R). Esta entrevista acessa diversos sintomas de transtornos mentais de acordo com os critérios diagnósticos presentes no CID-10, por meio de uma análise de algoritmos computadorizada realizada após a entrevista. Essa entrevista avaliava ainda aspectos e sintomas relativos à automutilação, depressão e ansiedade.

Os pesquisadores acreditavam que os resultados de seus estudos indicariam um aumento no risco de desenvolvimento de transtornos mentais aos 18 anos nas famílias cujos pais ou mães apresentassem traços de personalidade disfuncional aos 9 anos de seus filhos. Eles também hipotetizavam que o risco maior estaria associado com a presença de grandes números de traços de personalidade disfuncionais.

Os resultados encontrados pela pesquisa confirmaram a hipótese de que quanto maior a quantidade de traços disfuncionais de personalidade maternas ou paternas, maiores as chances de os filhos desenvolverem ansiedade, depressão ou automutilação na adolescência.

Os pesquisadores também concluíram a partir dos resultados que a personalidade materna disfuncional durante a infância está associada a uma maior ocorrência de problemas de saúde mental na vida adulta do filho.  Estas associações foram mais fortes para a depressão dos filhos, mas padrões semelhantes foram vistos por autodestruição e transtornos de ansiedade. O mesmo não ocorreu com os pais: não foram encontradas relações entre a personalidade disfuncional paterna e a ocorrência de problemas de saúde mental na vida adulta do filho.

Entretanto, os pesquisadores salientam que no geral, o risco foi melhor explicado pela combinação de múltiplos traços de personalidade maternal disfuncionais. Portanto, os traços disfuncionais da personalidade materna têm relação com os transtornos mentais que ocorrem na adolescência, sendo possível, assim, desenvolver formas de intervenção que ajudem a prevenir a sua incidência.

Para refletir...

Implicações

Este estudo foi um dos primeiros estudos longitudinais a estudar os traços de personalidade paternos e maternos e investigar a relação destes com os transtornos mentais dos filhos. Sendo assim, suas descobertas possibilitam a criação de políticas públicas e intervenções com mães e pais ou com os próprios filhos (ainda na infância) para evitar o desenvolvimento destes transtornos na adolescência e na vida adulta.

O estudo também salienta a importância do contexto familiar para as crianças e adolescentes, corroborando o que  a literatura aponta sobre esta temática: é no conetxto familiar que os pais ensinam seus filhos regras de conduta e convívio social, bem como estabelecem as primeiras relações de afetividade necessárias para o aprendizado emocional (Portugal & Alberto, 2010; Duarte, 2014). Outras pesquisas indicam que o apoio familiar, principalmente dos pais, é fundamental para o desenvolvimento salutar de uma criança, seja no âmbito acadêmico ou em aspectos de sua rotina (Andrada, Rezena, Carvalho, & Benetti, 2008).

É no ambiente familiar que os indivíduos constroem inicialmente suas crenças, valores, regras, atitudes, cultura, incluindo os comportamentos que são considerados adequados nesta cultura (Pasquali et al., 2012).  O convívio familiar e as práticas parentais podem se constituir como um espaço de proteção para a criança e para o seu desenvolvimento, ou como um ambiente de riscos (Andrade et al., 2014). Desta forma, o artigo também salienta a importância de se pesquisar este tema e de se aprofundar os estudos sobre a influência dos pais e mães na vida de seus filhos, seja por meio dos exemplos, das suas práticas educativas ou por meio de sua própria personalidade.

Limitações da pesquisa

Algumas limitações devem ser consideradas:


1. O estudo não aborda os aspectos da parentalidade (práticas parentais, por exemplo) - se a parentalidade fosse um aspecto analisado, as contribuições do estudo seriam ainda mais significativas, tendo em vista que esta pode interagir com as características pessoais dos pais e pelo seu temperamento.

 

2. Também não são abordados outros aspectos que podem contribuir para a incidência de transtornos mentais em crianças e adolescentes, tais como o divórcio, situação socioeconômica familiar e número de filhos, por exemplo.

3. A pesquisa não especificou se alguns dos filhos eram adotivos, e se esta característica altera de algum modo os resultados obtidos pelo estudo. Por fim, os pesquisadores também salientam que seu trabalho não investigou a influência da genética na incidência de transtornos mentais dos adolescentes ou ainda nos traços de personalidade disfuncionais dos pais e mães.

Materiais Complementares

 

 

 

Filme

O cão e a raposa (Disney,1981)

 

Direção

Richard RichTed Berman 

 

Gênero

 AnimaçãoAventura

Sinopse

Um filhote de raposa órfão e um cachorrinho viram grandes amigos quando pequenos, mas a amizade deles se mostra impossível pois eles pertencem a mundos diferentes, e acabam tomando rumos distintos e se separando pelo destino. Quando adultos, eles se reencontram em uma situação que vai colocar à prova essa bela amizade e que talvez transforme os dois amigos de longa data em inimigos.

Por que assistir

O filme retrata a amizade de um cão e de uma raposa, de filhotes até a vida adulta. O cão foi criado por um dono bravo e hostil, bem como por um cão mais velho rabugento e rancoroso. Já a raposa foi adotada por uma velha senhora doce, alegre e carinhosa. No início de sua amizade, o cão e a raposa eram bem parecidos, alegres e divertidos. Conforme crescem e sofrem a influência de seus donos, seus temperamentos e personalidades vão se modificando, a ponto de a amizade sofrer fortes consequências. É possível com o filme refletir sobre como a personalidade e exemplo dos cuidadores pode infuenciar os caminhos da vida das crianças e até o rumo de suas amizades.

Para conhecer outros materiais complementares, clique aqui!

Como citar este texto:

 

Loos, V. N. (2017). Filho de peixe, peixinho é: relações entre a personalidadedos pais e a incidência de transtornos mentais nos filhos (Website Alfabetização Científica em Psicologia). Recuperado de: 

http://alfabetizacaopsico.wixsite.com/home/materia-2-6

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Referência:

O artigo Impact of dysfunctional maternal personality traits on risk of offspring depression, anxiety and self-harm at age 18 years: a population-based longitudinal study, de Pearson e colaboradores  (2017), pode ser lido na revista Psychological Medicine clicando aqui. 

Outras referências utilizadas:

Andrada, E. G. C. de, Rezena, B. dos S., Carvalho, G. B. de, & Benetti, I. C. (2008). Fatores de risco e proteção para a prontidão escolar. Psicologia: ciência e profissão, 28(3), 536–547.

Andrade, N. C., Abreu, N., Duran, V. R., Veloso, T., & Moreira, N. (2014). Reconhecimento de expressões faciais de emoções: padronização de imagens do teste de conhecimento emocional. Psico, 44(3), 382–390. Recuperado em 29 outubro, 2017, de

http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistapsico/article/view/15825

 

Duarte, M. S. L. (2014). A influência da perceção da vinculação aos pais no uso de estratégias de regulação emocional em adolescentes (dissertação de mestrado). Universidade de Coimbra, Coimbra. Recuperado de https://eg.sib.uc.pt/handle/10316/25684

Pasquali, L., Gouveia, V. V., Santos, W. S. dos, Fonsêca, P. N. da, Andrade, J. M. de, & Lima, T. J. S. de. (2012). Questionário de percepção dos pais: evidências de uma medida de estilos parentais. Paidéia (Ribeirão Preto), 22(52), 155–164. https://doi.org/10.1590/S0103-863X2012000200002

Portugal, A., & Alberto, I. (2010). O Papel da Comunicação no Exercício da Parentalidade: Desafios e especificidades, Psychocologica, 2(52), 387–400.

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