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Você acredita que é capaz de tomar as melhores decisões para si?

Victoria Oldemburgo de Mello

23 de Setembro de 2016

Constantemente nos deparamos com inúmeras decisões que temos de tomar no dia a dia. Será que vou àquele evento? Que roupa visto? Será que levo guarda-chuvas? Será que compro doces? Ou será que economizo dinheiro para investir? Uma vez que tomar decisões é um processo que demanda muita energia, é comum utilizarmos atalhos para simplificar a tomada de decisões, de forma quase automática, a fim de não gastar tanta energia. Mas será que quando tomamos decisões de forma “econômica” tomamos boas decisões? 


Daniel Kahneman e Amos Tversky, em 1979, postularam uma teoria em um artigo que é capaz de nos dar muitas respostas sobre a forma que tomamos decisões. Os psicólogos israelenses propuseram um importante modelo (que lhes rendeu o Nobel de Economia em 2002) para o ramo que hoje é conhecido como finanças comportamentais. Ao tentar superar a teoria do matemático Bernoulli, postulada mais de 200 anos atrás, eles desenvolveram a chamada Teoria da Perspectiva (The Prospect Theory), mudando a forma como se entende a tomada de decisões sob situações de incerteza.


A teoria de Bernoulli, em linhas gerais, alegava que as pessoas faziam as escolhas que eram melhores e mais lógicas para elas. Assim sendo, as pessoas escolheriam sempre aquilo que lhes beneficiaria mais. 


Kahneman e Tversky, para tentar provar o contrário, aplicaram questionários de 12 perguntas aleatórias retiradas de um banco de dados em participantes anônimos (estudantes de graduação), em que esses simulavam tomadas de decisões sob incerteza em situações financeiras. A partir da análise das respostas dos questionários, os pesquisadores demonstraram que essa teoria não estava sempre correta e que, na verdade, as pessoas pareciam fazer escolhas que não necessariamente poderiam lhes ser mais benéficas.


Para entender melhor de que forma esse questionário resultou em uma série de conclusões da Teoria de Perspectiva, seguem alguns exemplos práticos retirados de um dos questionários da pesquisa:
 

Problema 1: Em uma aposta, você prefere:
A.    Ganhar $ 4000,00 com 80% de chance (80% de chance de ganhar e 20% de perder);
B.    Ganhar $ 3000,00 com certeza (100%).

Observou-se que 80% dos participantes preferiam a alternativa B, contra 20% que preferiam a alternativa A. 

 

Problema 2: Em uma aposta, você prefere:
A.    Perder $ 4000,00 com 80% de chance (80% de chance de perder e 20% de chance de ganhar);
B.    Perder $ 3000,00 com certeza (100%).

Observou-se que 92% das pessoas preferiram a alternativa A, contra 8% que preferiram alternativa B.

Os pesquisadores, a partir dessas e de outras perguntas, induziram experimentalmente os processos que se passariam na mente dessas pessoas, de forma que fossem influenciadas negativamente na hora de tomar decisões. Esses processos foram caracterizados como “efeitos”. A partir disso, os pesquisadores passaram a chamar de “erros sistemáticos” os erros comuns na forma de pensar que levariam a esses efeitos. As principais conclusões são as seguintes:
 

O Efeito Certeza
A partir de exemplos como os demonstrados acima, Kahneman e Tverky perceberam que as pessoas buscam sempre as apostas em que se tem ganho certo. Isto é, as pessoas têm aversão ao risco quando se analisa apostas com possibilidades distintas de ganhos.

O Efeito Reflexo
Outro efeito que pode ser observado nos exemplos acima é o efeito reflexo. Esse quer dizer que se por um lado as pessoas sentem aversão ao risco no domínio dos ganhos, por outro as pessoas se sentem atraídas ao risco no domínio das perdas (padrão inverso ao efeito anterior). Isso pode ser observado na diferença da predominância das respostas nos exemplos 1 e 2. No primeiro exemplo, a maioria das pessoas preferiu a aposta de um ganho certo, no segundo exemplo, as pessoas davam preferência à aposta que trazia perdas incertas.

O Efeito de Isolamento
O efeito de isolamento, segundo os psicólogos, expõe que informações iguais apresentadas de formas diferentes levam a escolhas diferentes. Esse efeito nos dá uma ideia sobre a forma como empresas que vendem loterias, por exemplo, podem nos influenciar a comprarmos apostas ruins. 

A partir de uma análise de todos esses efeitos, Kahneman e Tversky tentam explicar, cognitivamente, de que forma as pessoas fazem escolhas e como esses erros sistemáticos são cometidos. Eles separam o processo de tomada de decisões em duas partes: a primeira parte seria uma “edição” do problema, ou seja, as pessoas simplificariam o problema de forma que ele fique mais fácil de analisar preliminarmente; a segunda parte seria a tomada de decisão propriamente dita, em que as pessoas avaliam as informações já simplificadas pelas suas mentes e escolhem pela melhor. 


Os pesquisadores atribuem os erros sistemáticos à primeira parte do processo de tomada de decisões. Ao simplificar uma oferta, podemos cometer alguns  dos seguintes padrões de pensamento: coding - nós interpretamos o nosso ponto de partida como um ponto neutro; combination - combinamos probabilidades parecidas; segregation - quando segregamos duas apostas para tentarmos entender o que já é certo e o que podemos ganhar a mais; cancelation - quando cancelamos elementos que são comuns em apostas, como pode acontecer no efeito de isolamento; simplification - quando arredondamos valores; detection of dominance - quando tentamos detectar uma opção que é muito mais vantajosa com relação à outra. Todos esses processos estão ligados à etapa de edição das informações e podem acontecer quando tomamos decisões sob incerteza.


Ademais, análises estatísticas das respostas e de seus efeitos geraram duas representações sobre como as pessoas se sentem ao tomar decisões. A primeira é The Value Function (“a função do valor”), a qual demonstra como as pessoas interpretam subjetivamente ganhos e perdas. 

A primeira das conclusões importantes que tiramos com “a função do valor” é que a experiência de perder uma quantia X de dinheiro gera um efeito psicológico negativo de muito maior magnitude do que o prazer de ganhar a mesma quantidade X de dinheiro. Isso traz consequências práticas no nosso dia a dia, como por exemplo, a exploração das seguradoras. As empresas que vendem seguros exploram o potencial desse efeito ao vender uma garantia de que tal perda não virá a acontecer. 

Outras conclusões que a função do valor nos traz são as diferenças de percepção entre valores de dinheiro. O valor subjetivo (o sentimento ligado a ganhar ou perder dinheiro) que atribuímos à diferença de ganhar R$100 para R$200 é de muito maior magnitude do que o valor subjetivo que atribuímos à diferença de ganhar R$1100 para R$1200.Isso é, uma mesma quantia de dinheiro é vista diferentemente quando nosso valor de referência muda (100 e 1100).

A segunda função proposta pelos psicólogos é The Weighting Function (“a funçã do peso”).
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A primeira informação que podemos analisar é que probabilidades muito baixas são superestimadas pelas pessoas. Isso explica o grande número de pessoas que compram tickets de loteria para apostas extremamente remotas. 
    
Um exemplo sobre esta função pode ser demonstrado da seguinte forma: se eu afirmo que há uma chance de 0,000000001 de ocorrer um terremoto no Brasil amanhã, muitas pessoas vão considerar como se ele simplesmente não fosse ocorrer. Se eu disser que existe uma chance de 0,99999999999 de o sol nascer amanhã, as pessoas interpretarão como se fosse uma certeza. No entanto, na estatística e a lógica matemática subjacente, sabe-se que essas probabilidades não podem ser interpretadas dessa forma. 

 

Bom, agora que sabemos que somos tão propícios a fazer escolhas ruins, enviesadas e não lógicas, nós temos alguma escolha ou vamos continuar fazendo essas escolhas? De acordo com os mesmos pesquisadores, a melhor forma para evitar que façamos tantos erros sistemáticos na tomada de decisões é considerar os ganhos e as perdas em termos do patrimônio total (ativos e passivos). Ou seja, se você está analisando uma aposta, você deve pensar nela em termos de todo o dinheiro e bens que você já possui, e calcular os valores possíveis finais em função da sua condição financeira. Esse seria o jeito mais eficaz de não cometermos erros tão prejudiciais ao nosso bolso. De qualquer forma, os autores evidenciam que tomar decisões, mesmo em contextos econômicos, é um processo psicológico.

Para refletir...

Implicações

⦁ As seguradoras exploram o medo dos consumidores vendendo seguros que nem sempre são vantajosos (conforme propõe a teoria da função do valor), portanto é interessante analisarmos financeiramente as vantagens de obter ou não um seguro;


⦁ Embora o corpo do artigo trate da tomada de decisões principalmente no campo financeiro, a teoria também é aplicada em outras situações, como qualidade de vida e número de vidas salvas ou perdidas em decisões políticas;


⦁ Como a mudança do ponto de referência (Efeito de Isolamento) pode alterar as decisões tomadas, é interessante analisar minuciosamente as ofertas que nos são feitas antes de arriscarmos;


⦁ Descontos na folha de pagamento normalmente são vistos como perda ao invés de diminuição de ganho, o que é explicado pela Teoria da Perspectiva;
 

Limitações da pesquisa

Algumas limitações devem ser consideradas:


1. A utilização de valores baixos não pode confirmar se os mesmos efeitos se apresentariam em apostas de valores extremamente elevados;
 

2. Todas as apostas eram fictícias, ou seja, as pessoas se imaginavam nas situações. Nada garante que as escolham seriam as mesmas se tivessem feito com apostas reais;

 

3. Nenhuma análise sobre as condições dos participantes foi feita no estudo. O nível socioeconômico, por exemplo, poderia ser um fator que mudaria radicalmente os resultados, assim como características de personalidade ou estado de humor.

Materiais Complementares

O livro “Rápido e devagar - duas formas de pensar”, do psicólogo Daniel Kahneman, é uma ótima sugestão de leitura para quem se interessou pelo artigo sobre tomada de decisões sob risco. O livro, escrito de maneira muito simples, expõe o desenvolvimento dos estudos do pesquisador nos últimos anos. Ele mostra como Kahneman começou sua linha de pesquisa - ao perguntar a si mesmo se seres humanos são capazes de pensar estatisticamente no seu cotidiano - e a partir disso, apresenta e exemplifica uma série de questões que surgiram no meio do caminho. É um livro prático que busca instruir os leitores como pensarem cada vez melhor, mais racionalmente e menos intuitivamente (considerando que as rotas intuitivas estão muitas vezes automatizadas e enviesadas). 

 Embora ele tenha uma abordagem científica, é interessante para todo tipo de profissional que tenha que tomar decisões diariamente. Prepare-se para ter vários insights enquanto o lê.

Para conhecer outros materiais complementares, clique aqui!

Como citar este texto:

 

Mello, V. O. (2016). Você acredita que é capaz de tomar as melhores decisões para si? (Website Alfabetização Científica em Psicologia). Recuperado de: 

http://alfabetizacaopsico.wixsite.com/home/materia-2-2

Referência:

O artigo Prospect Theory: An Analysis of Decision under Risk, de Daniel Kahneman & Amos Tversky (1979), pode ser lido na revista Econometroca clicando aqui. 

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