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Visão periférica: nem tão fora de foco assim...

Rebecca Anne Pimenta-Blight

20 de Maio de 2016

Já está bem estabelecido que a atenção pode ser automaticamente capturada por conteúdos emocionais, uma vez que estes possuem grande relevância para nossa sobrevivência, do ponto de vista evolutivo. Visto que, no quotidiano, muitos estímulos emocionais podem aparecer fora do foco atencional, surge a pergunta: será que a captura automática da atenção também acontece quando estes não estão na “zona de atenção visual”?

Com isso em mente, pesquisadores da Universidade de Burgos e da Universidade de La Laguna, Espanha, realizaram uma investigação para determinar se este fenômeno – captura automática da atenção por estímulos emocionais – também ocorreria na visão periférica. A pesquisa, a qual foi realizada com 48 graduandos (24 mulheres) entre 20 e 30 anos, teve dois objetivos principais: investigar se cenas visuais emocionais apresentadas na visão periférica têm vantagem no processamento atencional em relação a cenas neutras; e, em outro momento, avaliar se a sensibilidade a estas cenas emocionais dependeria de seu conteúdo (por exemplo, prazerosas e não-prazerosas), e/ou do sexo do observador.

 

O experimento consistiu em apresentar aos participantes imagens prazerosas (n = 72), não-prazerosas (n = 72) ou neutras (n = 144), as quais sempre apareciam pareadas com sua respectiva imagem pixelizada, isto é, com a própria imagem, mas em formato desconfigurado. O par de imagens era seguido por uma tarefa de discriminação, na qual os participantes precisavam responder se um número ou uma letra apresentados no centro de uma tela de computador eram, respectivamente, par ou ímpar, vogal ou consoante. Portanto, as imagens emocionais e neutras foram utilizadas para poder comparar o grau em que cada tipo de estímulo geraria uma potencial interferência na tarefa cognitiva de discriminação número-letra. Já a imagem pixelizada (que pareava as imagens emocionais ou neutras), foi utilizada para equilibrar a apresentação de estímulos no campo visual, uma vez que a apresentação de apenas uma imagem emocional ou neutra invariavelmente produziria uma captura atencional, mesmo quando apresentadas perifericamente.

 

O experimento teve duas condições distintas. Inicialmente, os pares de imagens foram apresentados apenas nas laterais da tela, ou seja, perifericamente. Nesta condição, os participantes tinham que fixar seu olhar no centro da tela. Em outro momento, os pares foram apresentados no centro da tela, isto é, onde a visão estava direcionada.


Os resultados desta pesquisa corroboraram a hipótese do efeito distrator das cenas emocionais, isto é, de que conteúdos emocionais tendem a produzir uma maior interferência em tarefas cognitivas subsequentes. A latência das respostas dos participantes, isto é, o tempo que os mesmos levaram para responder à tarefa principal (de discriminação), foi maior quando as imagens apresentadas anteriormente eram emocionais, comparado a quando as cenas eram neutras. Em outras palavras, entende-se que o conteúdo emocional capturou mais os recursos atencionais dos participantes, de forma que a resposta para a atividade subsequente – que também dependia de recursos atencionais – tornou-se mais demorada. Especialmente relevante neste estudo foi o dado de que, apesar de a interferência das cenas emocionais ter sido maior quando as imagens apareciam na visão central, o efeito da interferência também foi significativo mesmo quando as imagens apareciam na visão periférica.

Em relação ao sexo e à categoria das imagens (prazerosas e não-prazerosas), foi observado que a interferência de cenas prazerosas sobre o tempo de realização da atividade de discriminação não diferiu entre homens e mulheres. No entanto, no caso das cenas não-prazerosas, as mulheres foram mais influenciadas do que os homens, principalmente quando foram apresentadas imagens de mutilação. Ou seja, as mulheres levaram um tempo de resposta ainda maior que os homens quando a tarefa de discriminação era antecedida pelas imagens desprazerosas de mutilação.


A partir destes dados, os autores concluíram que a interferência emocional, ou seja, a captura privilegiada que estímulos emocionais exercem sobre a atenção, também ocorre quando o estímulo encontra-se na visão periférica, apesar de em menor grau que na visão central. Em outras palavras, a captura atencional de um evento pode ocorrer mesmo quando este é irrelevante à tarefa a ser desempenhada, e mesmo quando está fora da “zona de atenção”. Ademais, o processamento emocional parece ser modulado pelo sexo do observador e variar conforme as categorias das cenas: mulheres parecem ser mais sensíveis a eventos de cunho negativo comparadas aos homens.
 

Para refletir...

Implicações

Este estudo demonstra a força que um estímulo emocional parece ter sobre o nosso processamento cognitivo, já que ele pode influenciar a nossa percepção de forma preferencial, mesmo estando fora da nossa “zona de atenção”. Estas informações ajudam a explicar porque, muitas vezes, mesmo que involuntariamente, não conseguimos controlar a influência de conteúdos emocionais em nossas mentes (tanto oriundos de estímulos externos, como produzidos por nossa própria atividade mental).


Por fim, tendo em vista que diferentes estímulos emocionais podem influenciar a captura dos recursos atencionais de forma distinta para homens e mulheres, pode-se indagar se, conforme a demanda, seria mais eficaz utilizar técnicas terapêuticas específicas para cada sexo.

Limitações da pesquisa

Algumas limitações devem ser consideradas:


1. A amostra é de universitários, em uma faixa etária de 20 a 30 anos. Portanto, estes participantes não necessariamente representam a maioria das pessoas.
 

 

2. O curso dos participantes não é especificado, o que pode tornar a amostra ainda mais “específica”, caso tenham sido todos selecionados de um mesmo curso.
 

3. Também é difícil generalizar os dados para toda a população, visto que os voluntários eram pessoas saudáveis (sem queixas ou transtornos particulares).
 

4. Por fim, como toda pesquisa experimental, os testes foram feitos em ambiente bastante controlado. Isto pode levantar argumentos sobre a artificialidade do experimento e sobre o quão aplicáveis os resultados são na vida real.

Como citar este texto:

 

Blight, R. A. P. (2016). Influências do mundo ao nosso redor. (Website Alfabetização Científica em Psicologia). Recuperado de: 

http://alfabetizacaopsico.wix.com/home#!blank-13/rvtmy

Referência:

O artigo Sensitivity to emotional scene outside the focus of attention, de Manuel G. Calvo, Aida Gutiérrez-Garcia & Mario del Líbano (2015), pode ser lido na revista Acta Psychologica clicando aqui. 

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