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Como é o tom da sua voz em situação de estresse?

Mariana Lopez Teixeira

20 de Setembro de 2018

Você já parou para pensar como a sua voz é capaz de expressar suas emoções e sensações? Como você expressa sua voz quando está em uma situação de estresse, como por exemplo falar em público?  E por que compreender como expressamos as emoções na voz?

 

Estas questões foram investigadas em um estudo realizado pelos pesquisadores da Universidade de Hong Kong, da China. O estudo foi publicado em março de 2014 na revista Journal of Voice e apresentou dois experimentos com o objetivo de investigar a expressão da voz sob uma situação de estresse psicossocial (experimento 1) e a expressão da voz associada à instrução de aprendizagem de analogia e à instrução de aprendizagem explícita sob estresse psicossocial (experimento 2). Neste texto apresentaremos o experimento 1.

 

Os autores referem que a nossa voz transmite muitas pistas emocionais que podem impactar na nossa adaptação comportamental e nas relações sociais.  A manifestação das emoções e das sensações na expressão vocal facilita a comunicação social e as interações interpessoais. Por exemplo, sabemos quando uma entonação é de elogio ou de crítica, de alegria ou de medo, de raiva ou de carinho, etc.

A expressão das emoções na voz pode ser em nível fisiológico (ex.: impulsos nervosos / inervações musculares), fonético articulatório (ex.: posição ou movimento das principais estruturas/pregas vocais utilizadas na fala) e acústico (ex.: características da forma de onda da fala). Cada nível pode ser investigado por meio da expressão ou representação da emoção pelo locutor (codificação), sinais acústicos que transmitem a emoção sentida ou pretendida (ex.: intensidade do som), percepção proximal dessas pistas pelo ouvinte (ex.: percepção do volume) e inferência sobre a emoção expressa pelo observador (decodificação). Para isso, o delineamento das pesquisas podem ser de três tipos: (1) registro natural da voz em situação real (por exemplo, registro e análise dos parâmetros da voz de pilotos de avião durante o voo), (2) o reconhecimento da voz de atores (por exemplo, o reconhecimento de emoções expressadas na voz de atores e o registro e análise da voz durante a expressão emocional), e (3) experimento induzindo experiência emocional (por exemplo, o registro e análise da voz durante a indução de uma situação de estresse em laboratório). No caso do estudo apresentado, os autores se basearam no terceiro modelo, induzindo uma experiência emocional de estresse psicossocial para investigar os parâmetros da voz.

Conforme os autores, evidências científicas sugerem que o estresse psicológico influencia diretamente a produção da fala e a qualidade da voz. O estresse vocal é associado a um mau controle motor nos músculos orais, como lábios, mandíbula e língua. O aumento da tensão muscular na região perilaríngea devido ao estresse psicológico causa tensão nas pregas vocais elevando o pitch (altura de um som, sendo mais grave ou mais agudo), especificamente a frequência fundamental ( F0 ) da voz. Este índice da voz (F0) é o menor componente periódico resultante da vibração das pregas vocais e é a primeira frequência produzida na glote (pitch), indicando o aumento da altura (média F0) e as variações de altura (desvio padrão SDF0).

 

O estresse prolongado pode contribuir para mudanças no pitch e distúrbios funcionais da voz. Por exemplo, pessoas com predisposição para ansiedade tendem a desenvolver hipertensão nos músculos laríngeos. Devido ao potencial impacto do estresse psicológico na voz, o conhecimento dos fenômenos do estresse vocal e os métodos de prevenção do estresse podem facilitar a elaboração de programas de intervenção/tratamento.

 

Para investigar a relação da indução do estresse com a expressão vocal, os autores incluíram no estudo 20 participantes nativos em cantonês (10 mulheres e 10 homens), com idade média de 20 anos (desvio padrão 2,06), sem qualquer experiência com apresentação formal ou treinamento de canto (autorrelato), todos recrutados na Universidade de Hong Kong. Os participantes foram instruídos a ler em voz alta a frase em cantonês “North Wind and the Sun” usando sua voz habitual. Esta frase foi utilizada previamente pelos mesmos autores em pesquisas de voz e fala.  As médias da F0 e do SDF0 (desvio padrão da frequência fundamental) de homens e mulheres foram comparáveis ​​a um estudo anterior dos mesmos autores.

 

As amostras da voz foram gravadas por um microfone de mão (modelo Shure Beta 58A; Shure Ltd, Niles, IL) posicionado a uma distância de seis centímetros da boca do participante, através de uma placa de som externa (modelo M-Audio Mobile PreUSB; M-Audio, Cumberland , RI) em duas salas de som atenuado (sala A e sala B). O ruído de fundo em ambas as salas foi inferior a 40,21dBA e, de acordo com o esquema de classificação do Centro Nacional de Voz e Fala, todas as amostras de fala foram consideradas do tipo I com padrões vocais periódicos exibidos no Praat (software utilizado para análise da voz, desenvolvido pela Universidade de Amsterdã, Holanda).

Cada participante foi avaliado individualmente. Inicialmente, o participante foi para a sala A e foi registrada a voz (habitual) durante cinco minutos de conversa. Foi realizado um repouso de três minutos e registrada a frequência cardíaca e o autorrelato da ansiedade. Em seguida foi realizado paradigma do Teste de Estresse Social adaptado (Trier Social Stress Test – TSST).

 

O paradigma TSST é um protocolo de tarefas para indução de estresse psicossocial moderado, o qual envolve simular uma fala em público em um ambiente de laboratório. Neste paradigma adaptado, o participante foi orientado a fazer uma apresentação sobre a questão “O que o governo pode fazer para reduzir a pobreza em nossa sociedade?”, e foi também informado de que a apresentação seria gravada por câmeras e transmitida online no site oficial da universidade para avaliação da comunidade acadêmica. Para organizar o discurso, o participante teve um período de preparação de 10 minutos e em seguida foi para uma sala B, onde teve cinco minutos de apresentação formal, sendo gravado por duas câmeras, dois gravadores, e avaliado por dois entrevistadores com jaleco branco. Os dois entrevistadores mantiveram respostas e comportamentos padronizados, buscando se expressar de forma objetiva e “fria”. Por exemplo, se o participante parasse de falar o entrevistador olhava nos olhos do participante por 20 segundos e falava que deveria continuar sua apresentação; caso contrário, não receberia o pagamento referente à participação no experimento (todos os participantes receberam 15 dólares para participar do experimento). 

Durante a apresentação de cinco minutos foi registrada a voz e a frequência cardíaca com um monitor de frequência cardíaca Polar (modelo Polar E600). Após a apresentação, foi registrado o autorrelato da ansiedade. Somente ao final do experimento é que o participante foi informado de que a gravação não foi transmitida online no site da universidade e que este foi um experimento para indução de estresse.

 

Os autores investigaram, usando o software Praat (versão 5.3.05), a média da frequência fundamental (F0) e o desvio padrão da frequência fundamental (SDF0) das amostras de voz durante a fala habitual (que proporcionou um índice basal) e durante este o paradigma TSST. Portanto, as comparações das amostras da voz foram realizadas entre as situações pré TSST (situação de linha de base, com fala habitual), e durante o TSST (situação de estresse). O autorrelato da ansiedade e a frequência cardíaca também foram comparadas pré TSST (linha de base) e quando submetido à tarefa TSST (durante a situação de estresse).

 

Os resultados mostraram que o autorrelato de ansiedade foi maior no paradigma TSST em relação ao valor basal. A frequência cardíaca foi também mais elevada durante o paradigma TSST em comparação à linha de base. A média F0 (o correlato acústico da altura do pitch) foi maior na tarefa TSST em comparação à linha de base e o SDF0 médio (o correlato acústico da variação do pitch) também foi maior na tarefa TSST em comparação à linha de base.

 

Estes resultados mostraram que o protocolo TSST modificado induziu estresse psicológico nos participantes. Tanto o autorrelato da ansiedade quanto a frequência cardíaca mostraram que a ansiedade foi elevada durante o TSST modificado. Aumentos significativos em ambos os F0 e SDF0 também ocorreram durante o TSST modificado, presumivelmente como uma consequência do aumento do estresse psicológico. No entanto, os autores não incluíram uma condição de controle.

 

Os autores sugeriram que o aumento do pitch pode fornecer uma indicação do estresse experimentado por uma pessoa e este índice se associa com a autopercepção de ansiedade e com o aumento da frequência cardíaca. O pitch pode ser um índice capaz de fornecer pistas do estado emocional. Isso reflete no aumento e na variação do tom da voz. Então, como é a sua voz em uma situação de estresse?

Para refletir...

Implicações

A compreensão sobre as variações na voz e na fala pode ser útil em pesquisas sobre dicas de voz e inferências emocionais, assim como para o desenvolvimento da robótica, sistemas de comunicação para indivíduos com deficiência motora ou vocal, detecção de mentiras, fonética forense, segurança nos aeroportos e jogos de computador.

 

Os serviços de call centers também podem se beneficiar com a análise da voz. Neste contexto de trabalho, a voz pode ser um indicador de estados emocionais que podem gerar problemas de saúde nos trabalhadores (por exemplo, a voz pode se associar a um aumento significativo de estresse, ou a depressão). É importante aprimorar ferramentas e técnicas capazes de detectar estados emocionais para estruturar programas e estratégias que possam beneficiar a saúde dos trabalhadores, diminuindo o afastamento de trabalho e a rotatividade.

 

Assim como há estudos desenvolvidos com expressões faciais, a compreensão sobre as características emocionais da voz podem favorecer o desenvolvimento de técnicas e intervenções de regulação emocional  e adaptação psicológica para a facilitação de relações sociais.

 

No entanto, as pesquisas que induzem um estado emocional para avaliação da voz estão geralmente mais associadas à indução de emoções envolvendo o aumento da excitação ou diminuição da excitação (arousal). O pitch vocal aumenta durante tarefas de fala estressantes, de alta excitação, e diminui em falas de baixa excitação, como no estado de tristeza. Mas como será que outros estados emocionais, tal como aqueles relacionados ao relaxamento, se relacionam com a expressão vocal? Será que se estivermos mais calmos e relaxados podemos ter melhor desempenho na expressão da voz e da fala e nas nossas interações sociais?

 

Estas questões poderão facilitar o desenvolvimento de técnicas e protocolos capazes de atuar nas relações sociais e no aumento de eficiência para a expressão vocal e comportamental como falar em público.

Limitações da pesquisa

Algumas limitações devem ser consideradas:


1. O estudo não conduziu um experimento com um grupo controle, ou seja, não houve uma tarefa de controle pareada ao Teste de Estresse Social (Trier Social Stress Test - TSST).

 

2. Não foram realizadas análises estatísticas de correlação entre a frequência cardíaca, autorrelato de ansiedade e os parâmetros da voz.

3. Foram somente analisados índices do pitch, enquanto que outros parâmetros da voz que também podem apresentar pistas de características emocionais não foram investigados.

Materiais Complementares

Você ficou interessado em saber mais sobre o Teste de Estresse Social (Trier Social StressTest – TSST)? Você pode ler mais sobre este paradigma no artigo publicado em 2014, dos autores Allen, Kennedy, Cryan, Dinan & Clarke, disponível clicando aqui.

Sobre a análise de emoções na fala, os autores Patrik N. Juslin, do Departamento de Psicologia da Universidade de Uppsala, Suécia e Klaus R. Scherer, do Departamento de Psicologia da Universidade de Genebra, Suíça, descreveram de forma sintetizada no Scholarpedia como as emoções são expressas na voz e como podem ser analisadas, os modelos teóricos de investigação da emoção na fala, os tipos de amostras da fala para análise de sinais emocionais e a introdução sobre as análises acústicas. Este material foi publicado em 2008 e está disponível clicando aqui.

Para conhecer outros materiais complementares, clique aqui!

Como citar este texto:

 

Lopez, M. T. (2018). Como é o tom da sua voz em situação de estresse? (Website Alfabetização Científica em Psicologia). Recuperado de:  

http://alfabetizacaopsico.wixsite.com/home/materia-1-8

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Referência:

O artigo Analogy Instruction and Speech Performance Under Psychological Stress, de Tse, Wong, Whitehill & Masters,  (2014), pode ser lido na revista Journal Voice clicando aqui. 

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