Você já imaginou quais são os possíveis aspectos cerebrais relacionados à Superdotação?
Barbara Jacques
26 de Outubro de 2016
Afinal, quais são as possíveis causas da superdotação? Um estudo da fundadora e membro do Conselho Técnico da Associação Brasileira para Altas Habilidades, Dora Cortat Simonetti, propõe uma resposta. A inteligência e o talento humano dependem de uma série de variáveis, por exemplo, a apreciação social daquela habilidade. Entretanto, uma coisa é certa: as habilidades só se manifestam e são desenvolvidas no campo de interesse do próprio sujeito. Essas habilidades serão desenvolvidas pela repetição - treino - e pela maturação neurofisiológica, já que o talento só pode ser adquirido e manifestado quando o cérebro estiver fisicamente preparado para ele.
A superdotação depende tanto dos exercícios e estimulações cerebrais, quanto das interações sociais e culturais, pois essas são capazes de estimular o desenvolvimento dos traços genéticos dos indivíduos. Assim, um cérebro complexo e integrado, como é característico das altas habilidades, precisa de um ambiente que propicie essa formação. Ter um cérebro integrado e complexo significa melhor apreensão de informação, capacidade de criar novas ideias e uma maior velocidade de processamento mental.
Partindo dessas informações, a autora do estudo selecionou quinze alunos que participavam de programas para altas habilidades em Vitória, no Espírito Santo. Esses foram selecionados de um grupo com 77 estudantes através de um teste psicológico que visa medir a capacidade intelectual, o WISC III. O objetivo da seleção era escolher dez alunos com altas habilidades, ou seja, QI acima de 130 e cinco alunos com QI abaixo de 120, a fim de criar um grupo controle para comparar os resultados. Um dado interessante que a autora trouxe na seleção foi a constatação de que 65% dos estudantes com QI acima de 130 estudavam em escolas públicas. Esse elemento questiona o senso comum, visto que grande parte da população acredita que a superdotação está intimamente ligada à classe social.
Os grupos tinham integrantes de ambos os gêneros e a autora buscou agrupar indivíduos semelhantes, isto é, que estivessem cursando o ensino fundamental e morassem em áreas urbanas. Após a seleção, os participantes realizaram novamente o teste WISC III, dessa vez também utilizando o eletroencefalograma (EEG). Este é um exame que registra as ondas cerebrais emitidas e mapeia a atividade cerebral. A avaliação aconteceu em um consultório de neurologia, visando reduzir as interferências sensoriais através de um ambiente controlado.
O primeiro resultado destacado pela autora se refere às diferenças nos registros encefalográficos dos dois grupos, sendo que os integrantes do grupo dos Superdotados mostraram registros muito semelhantes. O grupo com altas habilidades apresentou maior uso das ondas cerebrais alfa e teta e produziram maior conectividade de neurônios. Mas o que exatamente esses resultados significam? As ondas alfa e teta são emitidas pelo cérebro quando este está em um estado de foco e relaxamento, portanto, podemos inferir que o grupo com altas habilidades estava em um estado de concentração diferente do grupo comparativo, e que, possivelmente, chega a esse estado de forma mais eficiente e mais fácil. Ademais, o maior número de neurônios em conexão sustenta a afirmação que as altas habilidades dependem de um cérebro fortalecido, complexo e com rápida capacidade de integração.
Em suma, esses resultados provocam ainda mais curiosidade sobre o tema, ou melhor, instigam novas pesquisas acerca do funcionamento cerebral das pessoas com altas habilidades. Cabe destacar que a alta capacidade intelectual é apenas um tipo dentre os diversos tipos de dotação. Assim, a identificação das capacidades acima da média não deve estar pautada exclusivamente em um teste de QI, já que essas capacidades devem ser vistas como multidimensionais, ou seja, como processos sociais, psicológicos e neurológicos.
Para refletir...
Implicações
1. As informações do artigo podem contribuir no desenvolvimento de tecnologias e procedimentos que estimulem configurações cerebrais que proporcionem melhor desempenho e dotação.
2. O estudo afirma que as altas habilidades se manifestam no campo de interesse dos indivíduos, isto é, as pessoas estão mais inclinadas a treinar e desenvolver habilidades pelas quais possuem afinidade. A partir disso, pode-se criar uma nova visão para o sistema de ensino, de forma que as pessoas tenham uma maior possibilidade de desenvolver seus gostos pessoais e, consequentemente, favorecer melhores desempenhos.
3. O artigo elabora afirmações sobre as altas habilidades colocando a temática em evidência, visto que motiva novos pesquisadores a confirmarem ou aprofundarem os resultados encontrados pela autora. Essa visibilidade favorece a geração de novos estudos acerca das altas habilidades, já que há pouca produção sobre o assunto no Brasil.
Limitações da pesquisa
Algumas limitações devem ser consideradas:
1. Os testes de QI, em geral, medem apenas a capacidade intelectual mais relacionada às habilidades linguísticas e lógico-matemáticas. Desse modo, este teste exclui uma série de outros tipos de habilidades, como as artísticas e a inteligência emocional, as quais também poderiam indicar algum tipo de superdotação.
2. O grupo controle tem uma média de QI acima do comum, uma vez que a média da população mundial está entre 90 e 110. Dessa forma, também seria importante realizar a comparação dos superdotados com grupos de pessoas com QIs mais baixos.
3. A metodologia utilizada pode não ter sido ideal para a proposta do artigo. Isto porque o teste WISC III não deveria ser usado simultaneamente ao exame eletroencefalográfico, visto que o primeiro exige movimentos, produzindo muitos artefatos no EEG, o qual requer imobilidade.
Materiais Complementares
Filmes
O som do coração (2007/drama)
O protagonista do filme é August Rush (Freddie Highmore), ele é filho de um guitarrista e uma violoncelista, porém, cresce em um orfanato. August possui altas habilidades para música e por isso se relaciona ao artigo de Dora Cortat Simonetti. O personagem se apresenta nas ruas de Nova York ao lado de Wizard (Robin Williams) e usa seu talento para tentar reencontrar seus pais. O Filme é um drama muito aclamado e mostra uma perspectiva diferente das altas habilidades, isto é, está fora da escola.
Gênio indomável (1997/drama)
Um jovem de 20 anos (Matt Damon) vive em Boston e já teve algumas passagens pela polícia. O jovem é completamente fora do padrão imaginado para pessoas com altas habilidades, ele é apenas um servente de uma universidade. Entretanto, ele se mostra um gênio quando resolve um problema matemático. Assim, é possível notar um alto QI intelectual no protagonista - temática bem semelhante à do artigo. A partir disso, o filme apresenta uma série de dificuldades enfrentadas pelo jovem, uma delas é a dificuldade de aceitar as terapias determinadas legalmente.
TED: Por que nosso QI é mais alto que os dos nossos avós?
James Flynn fala, na sua palestra, sobre a evolução da capacidade intelectual durante os anos. O discurso está pautado no desenvolvimento do pensamento abstrato e em como as escolas melhoram essa habilidade. Assim, o palestrante apresenta a importância do estímulo as habilidades, como foi dito no texto sobre altas habilidades. Recomendo que assistam o vídeo, visto que colabora muito para o aprofundamento na temática e para uma maior clareza sobre à influência do ambiente no QI dos indivíduos. Para confererir a palestra, clique aqui!
Livro: Inteligência Emocional, de Daniel Goleman
Uma das críticas ao artigo é referente as altas habilidades estarem sempre ligadas à capacidade intelectual, deixando de lado os demais tipos de inteligência. Por essa razão, é indicado o livro "Inteligência Emocional" de Daniel Goleman. O livro aborda um tipo de inteligência pouco valorizado ainda e traz diversas justificativas para o desenvolvimento dessa habilidade. O autor, formado em Psicologia pela Universidade de Harvard, afirma que um alto QI intelectual não é garantia para o sucesso profissional, isto é, a alta capacidade intelectual pode até ajudar na conquista do emprego, mas o que te mantém bem sucedido e em crescimento dentro da profissão é a inteligência emocional. Além disso, Goleman escreve seu livro de forma simplificada, expondo a teoria de forma clara e de fácil entendimento para todos os públicos.