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O estresse é capaz de afetar o desenvolvimento de adolescentes?

Joana Bender Remus

10 de Outubro de 2016

O que você pensa quando lhe falam sobre adolescência? A variedade de fenômenos relacionados à adolescência é diversa, sendo o estresse uma das características geralmente associada a esta fase. Sabendo que altos níveis de estresse podem gerar prejuízos para a saúde, é importante investigar os seus efeitos para o desenvolvimento nesta faixa etária.

Em se tratando de uma fase de transição da infância para a idade adulta, conhecidos autores em Psicologia propõem uma visão conflitiva da adolescência, afirmando que as inúmeras mudanças presentes nesta etapa naturalmente provocam problemas e instabilidade emocional. Em contrapartida, estudos mais recentes procuram ressaltar as potencialidades e as características positivas da adolescência, considerando-a fonte de oportunidades e recursos para o crescimento pessoal.

O desenvolvimento humano engloba diversos aspectos, dentre eles o estudo da competência social, a qual é responsável por promover estratégias de socialização e ajuste na sociedade, tida como essencial para uma personalidade saudável. Discute-se que o estresse é comumente considerado um fator capaz de influenciar negativamente o desenvolvimento de competências, especialmente a social.

No universo adolescente, há dados indicando que a família e a escola são vistas como principais microssistemas estressores, bem como as mudanças corporais típicas da puberdade. Assim, se torna necessário que os adolescentes consigam apresentar respostas apropriadas frente a situações estressoras, a fim de minimizar os seus possíveis prejuízos – reações psicológicas e fisiológicas, como aumento da ansiedade e da frequência cardíaca - e alavancar a dimensão positiva do estresse, que proporciona proteção e bem-estar ao organismo.

Instigados por tais questionamentos e reflexões, pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) avaliaram indicadores de estresse em um grupo de 50 adolescentes (28 meninas e 22 meninas) entre 12 de 18 anos, estudantes em jornada integral de uma escola pública de São Paulo. Além disso, a competência social, problemas psicológicos e comportamentais também foram investigados com o propósito de analisar a relação entre estresse e aspectos do desenvolvimento juvenil.

Para este estudo, foram utilizados dois instrumentos. O primeiro, Questionário de Estresse Percebido para Adolescentes (ASQ), objetivou traçar o perfil de estresse dos adolescentes, bem como o grau de intensidade de estresse frente a diferentes situações cotidianas referentes à família, escola, incertezas, pressão financeira, entre outros fatores. O segundo instrumento, o Inventário de Autoavaliação para Adolescentes de 11 a 18 anos (YSR), avaliou a relação da condição psicossocial com a competência social, problemas emocionais e comportamentais. Em outras palavras, o YSR verifica a competência social mediante o levantamento de participação em atividades, responsabilidades, relacionamento familiar e de amizades, assim como dos problemas emocionais e de comportamento, avaliando a ansiedade, depressão, déficits com contato social, entre outros fatores.

Como resultado, foi observado que os níveis de estresse distribuíram-se em graus baixo e moderado, predominando mais nos meninos, os quais tenderam a assinalar a pressão financeira e o conflito escola/lazer como muito estressantes. As meninas, por sua vez, mantiveram o grau de estresse baixo em todas as dimensões avaliadas. De maneira geral, verificou-se que os adolescentes relataram ter um desenvolvimento bom no quesito competência social, além de não apresentarem faixas preocupantes no tocante aos problemas psicológicos. Porém, cabe destacar que, mesmo em níveis baixo e moderado, os maiores índices de problemas psicológicos foram relacionados à ansiedade/depressão, problemas sociais e problemas internalizantes (p.e., retraimento e queixas somáticas). Além disso, os adolescentes relataram possuir boa relação com outros adolescentes e, em se tratando da escola, pontuaram apreensão com fracasso escolar, queixas por estudarem em turno integral, falta de motivação e insatisfação com escola e professores. Uma análise da relação entre os dois instrumentos mostrou uma correlação moderada entre estresse e problemas psicológicos (especialmente os internalizantes) nos meninos. Já nas meninas, não constatou-se esta correlação.

A partir deste estudo, os pesquisadores sugerem que a família se configura como um contexto pouco estressante, ao contrário da escola. Além disso, a maioria dos adolescentes apresentou tendências positivas de desenvolvimento, indicadas pela manifestação de competências sociais e baixa intensidade de estresse. Ainda, apesar de o ensino em tempo integral ter sido considerado estressante para os adolescentes, os autores o associaram como um dos fatores que potencialmente favorece a socialização e inserção em atividades, contidas no aspecto da competência social.

Tal apontamento desperta reflexões acerca da função da escola na formação e no desenvolvimento dos jovens, de maneira a se caracterizar como importante cenário de crescimento e interação social, não somente de estudo. No entanto, é necessário pensar em alternativas para torná-la menos estressante na percepção dos adolescentes, para que possa contribuir ainda mais para o seu desenvolvimento social.

Ademais, os autores também apontam que a instabilidade emocional surge de mudanças e novos enfrentamentos vivenciados ao longo da vida e, por isso, não pode ser atribuída somente aos adolescentes. Diante de tudo isso, os autores concluem que a perspectiva de que adolescência é sinônimo de crise é equivocada, podendo dificultar o diagnóstico e tratamento precoce de problemas verdadeiramente psicopatológicos em adolescentes.

Para refletir...

Implicações

Esta pesquisa contribui para diferentes contextos, os quais se entrelaçam:

1. Para a sociedade: formando uma visão menos negativa e conflitiva da adolescência, ressaltando seu aspecto positivo e colaborando para a alteração do paradigma pejorativo da adolescência.

2. Para a família: o pensamento de que crises na adolescência são normais dessa fase e, por isso, logo passam, pode dificultar o diagnóstico e o tratamento precoce de problemas verdadeiramente psicopatológicos. Assim, o presente estudo auxilia as famílias de adolescentes, pois esclarece que a adolescência não é sinônimo de estresse e instabilidade emocional, contribuindo para que os pais prestem a devida atenção aos seus filhos e os encaminhem para profissionais capacitados quando a situação assim necessitar.

3. Para a escola: embora a escola tenha se configurado como um ambiente estressor e os adolescentes se queixem do turno integral, os autores deste estudo apontaram que, possivelmente, o tempo prolongado na escola contribui para o desenvolvimento da competência social dos adolescentes. Dessa forma, este estudo desperta reflexões acerca da grade curricular do ensino médio. Assim, cabe pensar em possíveis delineamentos de diferentes atividades extracurriculares em ambiente escolar, contribuindo tanto para a competência social –(através de inserção em atividades sociais e oficinas, além de proporcionar maiores oportunidades de aprofundamento de laços em grupos), quanto para amenizar o estresse causado pelos estudos em turno integral (com atividades esportivas, por exemplo). Assim, concomitante à intenção de levar a educação também para o relacionamento social, promove-se desenvolvimento saudável aos jovens.

Limitações da pesquisa

Algumas limitações devem ser consideradas:


1. A aplicação dos instrumentos utilizados foi realizada em sala de aula. Esta pode ser uma limitação, pois, como se atesta na pesquisa, a escola pode ser um ambiente estressor na percepção dos adolescentes. Assim, a realização da coleta dos dados – principalmente a investigação dos níveis de estresse do ASQ - em sala de aula pode ter sido influenciada pela sua percepção do ambiente.

2. Os autores informaram as classes econômicas apenas de 68% dos participantes (36% da classe C e 32% da classe B2). Como vimos, a pressão financeira é um fator estressor, especialmente para os meninos. Assim, mesmo que os autores não tenham discorrido sobre isso, a análise da situação econômica se configura como importante ponto de estudo e, não fornecendo os dados econômicos de todos os participantes, tal análise pode ter sido prejudicada.

3. Não foi mencionada a maneira como os jovens do estudo foram selecionados. Para uma pesquisa, esse ponto é essencial, pois a maneira como a amostra da pesquisa foi selecionada (i.e., a amostragem) pode interferir nos resultados.

4. Não foi levantada a ocorrência de outros eventos possivelmente estressores. A ocorrência de eventos estressores perto da data de aplicação dos instrumentos desta pesquisa, como semana de provas e brigas familiares, pode ter se configurado como fator determinante para alguns resultados obtidos, especialmente para os níveis de estresse mensurados pelo ASQ.

Materiais Complementares

Para elucidar os efeitos do estresse no corpo humano, que tal refletir sobre a maneira como se encara os eventos estressores?

 

Kelly McGonigal, importante psicóloga americana, traz a pergunta: “será que mudar como pensamos sobre estresse pode nos tornar mais saudáveis?”. Para a surpresa da sociedade, a resposta é sim! A psicóloga sugere que o estresse somente é ruim para aqueles que acreditam que ele é prejudicial.  Na verdade, o estresse surge para fortalecer o corpo a fim de superar desafios, melhorando o desempenho e competências.

 

Ficou curioso? Clique aqui para conferir o vídeo, você passará a encarar o estresse de forma muito mais positiva e benéfica!  

Para conhecer outros materiais complementares, clique aqui!

Como citar este texto:

 

Remus, J. B. (2016). O estresse é capaz de afetar o desenvolvimento de adolescentes? (Website Alfabetização Científica em Psicologia). Recuperado de: 

http://alfabetizacaopsico.wixsite.com/home/materia-1-5

Referência:

O artigo Estresse, competência e problemas psicológicos de adolescentes estudantes, de Oliveira-Monteiro e cols. (2012), pode ser lido na revista Arquivos Brasileiros de Ciências da Saúde, clicando aqui. 

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