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Você acredita na sua capacidade de memorização?

Louisi da Silva Cardozo

23 de Setembro de 2016

Você já pensou que o quanto você acredita em sua capacidade de memorizar pode influenciar no real desempenho dela? Ou, ainda, você espera que o desempenho de sua memória piore quando chegar à velhice? A memória é um processo cognitivo altamente relevante para o conhecimento e comportamento. Por este motivo, uma pesquisa publicada na Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva procurou investigar o desempenho de adultos e idosos quanto à sua memória, bem como a relação desta com as crenças metacognitivas dos participantes – crenças internas sobre suas próprias capacidades cognitivas.


O envelhecimento representa uma fase do desenvolvimento humano comumente associada a falhas nos processos mnemônicos. Dentre estas falhas, existem as falsas memórias, isto é, a recordação de um fato que não aconteceu. A Teoria do Traço Difuso procura compreender este processo por meio de um sistema de memória de essência e memória literal. A memória de essência, de forma ampla e não específica, retém o significado geral do fato, tendo registros mais duradouros e, portanto, sendo acessadas mais facilmente. Já a memória literal armazena as informações de modo específico, com seus detalhes.


Nesse contexto, a investigação conduzida por Carmem Neufeld e colaboradores procurou verificar duas hipóteses: 1) ocorre um decréscimo na qualidade da memória com o envelhecimento e, com isso, os idosos lembram menos informações verdadeiras; e 2) a existência de associação entre o desempenho da memória dos idosos e as suas crenças a respeito da sua capacidade de memorização, isto é, a percepção que possuem de sua autoeficácia para memorizar.


O estudo contou com a participação de 82 adultos, com idade entre 30 e 35 anos, e 79 idosos entre 65 e 70 anos. O paradigma DRM (referente aos autores Deese, Roediger e McDermott) foi utilizado em duas etapas e, ainda, um questionário de crenças metacognitivas foi aplicado. A primeira etapa do paradigma DRM consistiu na apresentação de oito listas de 10 palavras (itens alvo) sendo que os participantes teriam que memorizá-las. Cada item alvo estava associado semanticamente a palavras que não eram encontradas na lista original, nomeadas de distratores críticos, os quais apareceriam na lista do teste de reconhecimento e cujo objetivo era induzir falsas memórias. Como, por exemplo, os itens alvo “som, violão, melodia e cantar” estão associados ao distrator crítico “música” não apresentado na lista inicial.


Em seguida, um questionário sobre as crenças metacognitivas foi aplicado, no qual os participantes relataram crenças positivas ou negativas sobre suas habilidades de memorização. Por fim, na segunda etapa do paradigma DRM, os participantes foram expostos a um teste de reconhecimento que constataria a capacidade de memorização. Tal teste consistiu na apresentação de uma lista com 48 palavras, as quais 24 eram itens alvo (representando as memórias verdadeiras, isto é itens que de fato haviam sido apresentados na lista original), oito distratores críticos (falsas memórias, isto é, itens semanticamente relacionados aos itens alvos) e 16 palavras não relacionadas. Neste contexto, com base na Teoria do Traço Difuso, as memórias verdadeiras - itens alvo - representam traços literais, pois são recordações específicas. Enquanto as falsas memórias relacionam-se ao traço de essência, porque refletem um sentimento de familiaridade mais abrangente, não específico.


Como resultado, observou-se que os adultos lembraram mais informações verdadeiras do que os idosos. No entanto, os adultos também produzem maior número de falsas memórias. As listas de palavras ainda continham um conteúdo emocional envolvido, sendo duas de conteúdo positivo, duas negativas e quatro neutras. Assim, os resultados revelaram que os adultos lembraram mais de dados positivos do que os idosos, enquanto estes últimos lembraram mais informações negativas e neutras. Percebe-se, portanto, que apesar dos resultados irem ao encontro de teorias que preveem um decréscimo na cognição com o envelhecimento (já que os adultos tiveram maior número de memórias verdadeiras), parece que a precisão na memória dos idosos é melhor do que a memória dos adultos.
 

Quanto ao questionário sobre as crenças metacognitivas, verificou-se que os adultos demonstraram acreditar mais em sua memória e, quanto mais o fazem, menor a produção de falsas memórias para informações neutras. Em vista disso, os autores discutem que as crenças relacionadas à dificuldade de memória dos idosos parecem influenciar de forma negativa o seu desempenho no teste de palavras associadas.


Conclui-se, portanto, que os testes corroboram as hipóteses levantadas pelas autoras, na medida em que os resultados indicam a existência de uma relação entre as crenças metacognitivas sobre desempenho de memorização e o real desempenho nos testes de memória dos participantes. Os adultos, acreditando na autoeficácia de sua memória, lembraram mais informações verdadeiras, enquanto os idosos com crenças negativas sobre a sua capacidade de memorização apresentaram um pior desempenho para lembrar informações verdadeiras. Por outro lado, vale destacar que os adultos produziram maior quantidade de falsas memórias que os idosos. Este dado sugere que, independentemente da idade, é importante considerarmos que parte das memórias de um indivíduo pode ser falsa.

Para refletir...

Implicações

Os dados da análise deste estudo podem fomentar programas de saúde que estimulem o aspecto motivacional, isto é, que incentivem os idosos a aumentarem o nível de crenças positivas quanto à sua capacidade cognitiva e de memorização, a fim de que estes obtenham um melhor desempenho nesta função cognitiva. Os incentivos também ajudariam a romper com o estigma da relação entre o processo de envelhecimento e a perda de memória.


Há, também, a possibilidade de serem feitas propagandas e campanhas que promovam a importância e os benefícios de treinamentos voltados ao desenvolvimento de processos cognitivos. Ou seja, incentivar o acesso a atividades de raciocínio lógico e de estratégias de memorização, como jogos cognitivos, os quais podem proporcionar um melhor desempenho em tarefas cognitivas. 

Limitações da pesquisa

Algumas limitações devem ser consideradas:


1. Não foi especificado o nível de escolaridade dos participantes. Por este motivo, caso este nível tenha discrepâncias entre os participantes de ambos os grupos, isto pode interferir no desempenho de memória.

 

2. Não foram disponibilizados no artigo exemplos das perguntas do questionário de crenças metacognitivas, tampouco as listas de palavras associadas, ou a lista do teste de reconhecimento.

3. O questionário de crenças metacognitivas também incluía perguntas referentes à saúde dos participantes, no entanto, estas respostas não foram consideradas nas análises. Sugere-se que teria sido relevante observar se a amostra foi constituída por pessoas saudáveis, tanto física, quanto psicologicamente, pois os resultados podem não se aplicar às pessoas com problemas emocionais ou limitações físicas. Como afirmado pelas próprias autoras, é necessário investigar as características psicológicas dos participantes.
 

4. Outro aspecto que deveria ter sido considerado é o humor dos participantes no período da pesquisa, pois as listas continham um conteúdo emocional envolvido. Logo, os dados podem ter sofrido alterações conforme o humor dos participantes.

Materiais Complementares

1. Vídeo How reliable is your memory? no TED de Elizabeth Loftus, sobre Falsas memórias.

 

A psicóloga Elizabeth Loftus, também pesquisadora no campo da memória, relata um pouco de sua experiência nos estudos das falsas memórias e as implicações que este fenômeno tem na vida das pessoas, principalmente no campo forense. A partir disso, a pesquisadora nos conta um pouco sobre a indução das falsas memórias e como estas podem afetar os comportamentos das pessoas, podendo ter consequências tanto positivas quanto negativas. O vídeo pode ser conferido clicando aqui!

2. Notícia da Scientific American Brasil sobre a memória dos idosos.
 

A notícia publicada no site da revista Scientific American Brasil diz respeito a um artigo científico publicado no Proceedings of the National Academy of Sciences. Tal artigo procurou constatar a eficácia de atividades aeróbicas para reforçar o hipocampo – aumentando seu volume – e, então, melhorando a memória dos participantes. Assim, como os autores relatam, “começar uma rotina de exercícios mais tarde na vida não é inútil, tanto para melhorar a cognição quanto para aumentar o volume do cérebro”. Leia a notícia completa clique aqui!

Para conhecer outros materiais complementares, clique aqui!

Como citar este texto:

 

Cardozo, L. S. (2016). Você acredita na sua capacidade de memorização? (Website Alfabetização Científica em Psicologia). Recuperado de: http://alfabetizacaopsico.wixsite.com/home/materia-1-4

Referência:

O artigo O impacto das crenças metacognitivas na memória de adultos jovens e idosos, de Carmem Beatriz Neufeld, Priscila Brust-Renck, Paola Passareli-Carrazzoni & Laís Raicyk (2014), pode ser lido na Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva clicando aqui. 

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