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Manipulação atencional para estímulos emocionais:

a atenção pode cegar?

Rebecca Anne Pimenta- Blight

2016, 01 de Maio.

Você já parou para pensar como a atenção pode influenciar no que percebemos? E como, dependendo do nível de concentração em uma tarefa, certos estímulos podem passar despercebidos? Um estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) mostrou que a atenção focalizada em uma tarefa-alvo pode fazer com que certos estímulos emocionais deixem de ser percebidos.

 

A atenção é essencial para podermos desempenhar tarefas eficientemente. A atenção seletiva, em particular, nos permite selecionar um foco em detrimento de outras distrações. Portanto, através deste processo cognitivo, conseguimos dar menos importância a acontecimentos irrelevantes à nossa volta, para que possamos nos concentrar em determinada atividade.

 

Mais ainda, dependendo da quantidade de atenção que a tarefa exige para ser realizada (carga atencional), o processamento de objetos fora desta “zona de atenção” (distratores) pode ser muito reduzido e, em alguns casos, até eliminado. Isto acontece, inclusive, em condições em que os distratores têm alto valor emocional. Isto é interessante, pois geralmente os estímulos emocionais capturam nossa atenção de maneira muito automática, mesmo quando são irrelevantes.

 

Com isso em mente, o estudo realizou dois experimentos. Em ambos, o objetivo foi investigar como, em uma tarefa de discriminação, diferentes graus de exigência atencional afetariam o processamento de estímulos visuais emocionais distratores (isto é, irrelevantes à atividade).

 

Os experimentos, os quais foram realizados com um total de 90 estudantes voluntários, utilizaram um teste de tempo de reação onde imagens neutras e negativas foram apresentadas no centro de uma tela, acompanhadas de 2 barras, uma de cada lado da imagem. Estas imagens atuaram como distratores na tarefa atencional de discriminação da orientação das barras. O teste foi dividido, primeiramente, em 3 níveis de dificuldade, de acordo com a diferença angular de orientação das barras (90o = fácil; 24o = intermediário; 12o = difícil). Os participantes foram instruídos a responder, o mais rápido e precisamente possível, se a orientação das barras era igual ou diferente.

 

No primeiro estudo, que avaliou os três graus de dificuldade atencional, os resultados mostraram que os participantes levaram mais tempo para desempenhar a tarefa quando eram apresentadas imagens de corpos mutilados, nos três níveis de dificuldade, do que quando eram apresentadas imagens neutras (de faces sem expressão). Ou seja, o tempo de reação dos participantes foi maior quando as imagens irrelevantes eram emocionais, independente da carga atencional, indicando que esta exigência atencional não foi alta o bastante para prevenir a interferência (ou processamento privilegiado) do estímulo emocional. Estes dados reforçam a visão de que o processamento de estímulos emocionais pode ser priorizado em condições de baixa demanda atencional.

 

Já no segundo estudo, os pesquisadores aumentaram o nível de dificuldade do teste, para avaliar até que ponto a carga atencional influenciaria na percepção de estímulos emocionais. Para tanto, a diferença angular de orientação das barras foi diminuída na condição difícil (fácil = 90o e muito difícil = 6o), fazendo com que a tarefa muito difícil exigisse uma atenção ainda maior por parte dos participantes. Os resultados revelaram que, nestas condições de maior carga atencional, a interferência do estímulo emocional não foi observada.

 

A partir dos dados de ambos os experimentos, os autores discutem que a interferência dos distratores foimodulada pela carga atencional alta, tendo em vista que os estímulos emocionais interferiram no tempo de reação à discriminação das barras quando esta tarefa foi relativamente fácil, mas não quando foi muito exigente. Este fenômeno de modulação da interferência dos estímulos emocionais pode ter ocorrido, segundo eles, devido à menor disponibilidade de recursos para processar tais informações irrelevantes à tarefa. Em outras palavras, os estímulos emocionais só serão processados se a tarefa não consumir todos os recursos para si, “sobrando” recursos para processá-los.

Para refletir...

Implicações

Nossa atenção pode estar sujeita à manipulação. Você consegue imaginar o efeito terapêutico que isto pode gerar? Talvez este conhecimento possa ser aplicado no tratamento de transtornos, como o TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo) e TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hipertativade). Muitas pessoas com TOC são dispersas e queixam-se de falta de atenção, pois são afligidas por pensamentos recorrentes e intrusivos (obsessões). Já o TDAH dá-se por uma hipoatividade (atividade mais baixa que o normal) do córtex pré-frontal, o que faz com que a pessoa tenha muita dificuldade em prestar atenção.

 

Este estudo levanta a hipótese de que os “recursos cerebrais” antes involuntariamente desviados e/ou consumidos por outros pensamentos irrelevantes, podem ser manipulados e canalizados para o processamento da atividade principal. Ou seja, é possível que devido a técnicas e treinamentos de manipulação da atenção, pessoas com transtornos que envolvam dificuldade atencional possam melhor controlar sua atenção desviante.

Limitações da pesquisa

Assim como a grande parte dos estudos científicos, este estudo possui limitações que devem ser consideradas. Alguns exemplos:

 

  • A amostra é de universitários, de forma que não necessariamente este dado possa ser extrapolado para toda a população brasileira ou mundial;

 

  • A amostra foi composta por pessoas saudáveis, ou seja, sem queixas emocionais. portanto, não é possível inferir se este dado se aplica da mesma forma para pessoas com problemas emocionais.

Como citar este texto:

 

Blight, R.A.P. (2016, 01 de Maio). Manipulação atencional para estímulos emocionais: a atenção pode cegar? (Website Alfabetização Científica em Psicologia). Recuperado de http://alfabetizacaopsico.wix.com/home#!blank-9/tv1jn

 

Referência:

 

O artigo Load dependent modulation on affective picture processing de Fátima S. Erthal e colaboradores (2005) pode ser acessado clicando aqui!

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