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A concorrência entre conteúdos que competem para ganhar sua atenção!

Lucas Martins do Nascimento

20 de Maio de 2016

Você sabia que nosso cérebro coordena o modo como processamos o mundo ao nosso redor, muitas vezes sem nem percebermos? E que ele é capaz de direcionar nossa visão e nossa atenção a estímulos, mesmo sem o nosso comando consciente? Costumamos pensar que tomamos decisões totalmente conscientes em nosso dia-a-dia, mas uma pesquisa realizada em 2007, publicada na revista The Quarterly Journal of Experimental Psychology, demonstrou que quando estamos diante de uma variedade de estímulos nosso cérebro pode priorizar o processamento de certos tipos de estímulos, tal como os emocionais, mesmo que não tenhamos consciência disto.

 

O O fenômeno comentado anteriormente pode ser compreendido através do conceito de atenção orientada. Este tipo de atenção corresponde à primeira reação atencional de uma pessoa, ou seja, ao momento em que orientamos nossa atenção para detectar e perceber algo. Portanto, este processo pode dar início a toda a cadeia subsequente de processamento, estando na base de grande parte dos demais tipos de atenção. Esta orientação pode ser facilmente e rapidamente influenciada por determinados estímulos externos, caracterizando aquilo que chamamos de atenção exógena, ou seja, o modo bastante automático como alguns estímulos do ambiente capturam nossa atenção. Mas será que todos os estímulos capturam nossa atenção exógena da mesma forma?

A pesquisa de Calvo, Nummenmaa e Hyönä realizou um experimento para tentar responder esta pergunta. O estudo teve a colaboração de 48 voluntários universitários, divididos em 2 grupos. Para o “grupo um”, utilizou-se um paradigma composto por três etapas. Na primeira etapa, era apresentado em uma tela de computador um par de imagens (por 450 ms), sendo uma com conteúdo neutro, e outra com conteúdo emocional. As imagens de conteúdo emocional eram metade das vezes imagens agradáveis, e metade das vezes desagradáveis. Na segunda etapa, as mesmas imagens (agradáveis, desagradáveis ou neutras) eram apresentadas (por 500 ms) individualmente, mas como máscaras. Ou seja, todas as imagens eram modificadas em sua composição de cores, de forma que suas características não pudessem ser facilmente percebidas.

A seguir, na última etapa, era apresentada uma imagem que o participante deveria responder se era idêntica (estímulo alvo) ou apenas semelhante (estímulo relacionado, mas não idêntico) à uma das imagens da primeira etapa.

Para o “grupo dois”, o experimento foi conduzido com as mesmas etapas, porém, na primeira etapa utilizou-se apenas 1 estímulo (neutro ou emocional) isoladamente. Dessa forma, comparando os dois grupos foi possível contrastar como os estímulos emocionais capturam nossa atenção em uma condição em que eles aparecem sozinhos e em uma condição em que outros estímulos (neutros) competem por atenção ao mesmo tempo.

 

Para compreender qual tipo de conteúdo o cérebro daria prioridade para orientar a atenção, os autores buscaram avaliar três tipos de resposta:

 

1. a acurácia no reconhecimento das imagens neutras e/ou emocionais (na terceira etapa) quando estas tinham sido apresentadas conjuntamente na primeira etapa (competindo uma com a outra), comparado a quando tinham sido apresentadas isoladamente;

2. a orientação inicial da atenção para as imagens na condição em que cada par de estímulos foi apresentado, através de uma tecnologia de rastreamento visual (eye tracking);

 

3. a eficiência do processamento de imagens neutras e emocionais, ou seja, a quantidade de atenção requerida para identificação destes estímulos, mensurada pelo número de fixações do olhar e suas durações na terceira etapa do experimento.

 

No “grupo um”, o qual participou da condição em que as duas imagens (emocional x neutra) competiam, verificou-se uma melhor identificação de estímulos emocionais, uma vez que houve uma maior taxa de acerto de reconhecimento das imagens emocionais apresentadas na terceira etapa (etapa em que os participantes tinham que decidir se a imagem apresentada já tinha de fato aparecido anteriormente), comparado à taxa de acertos para imagens neutras. Portanto, as imagens emocionais parecem ter capturado mais recursos atencionais para o seu processamento, favorecendo o seu reconhecimento posteriormente. Este resultado foi semelhante tanto para imagens agradáveis, como desagradáveis.

 

 Além disso, o experimento demonstrou que as fixações do olhar ocorreram em maior número para os estímulos emocionais, embora o tempo de fixação da visão para imagens emocionais tenha sido menor. Em outras palavras, os estímulos emocionais foram “escaneados” mais rapidamente, mas ainda assim com maior eficiência.

 

É importante ressaltar que tanto a taxa de acerto, como a sensibilidade de reconhecimento foram equivalentes para imagens neutras e emocionais na condição em que estas foram apresentadas isoladamente, conforme fora submetido o “grupo dois”. Deste modo, podemos inferir que nosso processamento de estímulos neutros está sujeito a prejuízos quando estes estão em concorrência com outros estímulos exógenos que capturam e retêm nossa atenção com mais eficiência, tal como ocorre para estímulos de conteúdo emocional.

Para refletir...

Implicações

Diante dos resultados desta pesquisa, a qual demonstra o poder da atenção exógena sobre nossa percepção do ambiente, será que somos “donos do nosso nariz” como pensamos? Parece que, conforme o tipo de estímulo exógeno, este pode capturar nossa atenção de forma bastante rápida e automática, influenciando aquilo que atentamos e percebemos no mundo.

Podemos pensar, por exemplo, que estes resultados ajudam a explicar um dos processos psicológicos que ocorre em pessoas com Transtornos de Ansiedade, já que estas tendem a realizar um processamento privilegiado de estímulos que disparam a ansiedade, desencadeando reações mais intensas a estes. Diz-se que estas pessoas são hipervigilantes para os estímulos ansiogênicos, por isso os detectam mais rápida e intensamente que outras pessoas. Portanto, pode-se hipotetizar que uma possível intervenção com pessoas ansiosas a fim de treinar o componente atencional, especialmente a orientação para detectar um estímulo e a fixação no mesmo, pode ser uma alternativa interessante para esta população.

Outro ponto para refletirmos encontra-se na aplicação destes conhecimentos ao campo do Neuromarketing, área que busca compreender o modo como percebemos e processamos publicidades em diversos meios de comunicação, como televisão e internet. Sabendo que determinados tipos de estímulos favorecem a orientação da nossa atenção para o seu processamento, cabe indagar-se até que ponto a propaganda e a mídia nos influenciam para prestarmos mais atenção em determinados produtos e para consumirmos em excesso ou aderirmos às tendências da moda, por exemplo?

Limitações da pesquisa

Apesar dos resultados estarem de acordo com outras pesquisas nesta área, é importante destacar alguns pontos:

1. O estudo em laboratório não garante que a reprodução destes fenômenos sejam reproduzidos em condições cotidianas e diversificadas, tal como espaços com diversos estímulos concorrentes (por exemplo, trânsito ou trabalho);

2. Outra limitação deste estudo diz respeito ao seu público participante, o qual foi composto exclusivamente por universitários jovens, com idade média de 21.7 anos.  Deste modo, não podemos garantir que os resultados se generalizem para outras populações, assim como públicos de outras idades;

 

3. Ainda, a pesquisa não investigou, ou não mencionou se controlou o potencial efeito do uso de substâncias como cafeína ou remédios (especialmente psicoativos), os quais poderiam influenciar o processo atencional e a percepção de estímulos. O mesmo se aplica à sujeitos com diferentes níveis de estresse, fadiga, entre outras características psicológicas que podem influenciar processos atencionais e que, portanto, poderiam ter sido investigadas e controladas nas análises.

Como citar este texto:

 

Nascimento, L. M. (2016, 20 de Maio). Conheça a concorrência entre conteúdos que competem por ganhar sua atenção! (Website Alfabetização Científica em Psicologia). Recuperado de http://alfabetizacaopsico.wix.com/home#!blank-12/obol7

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