
A psicoterapia funciona para casos graves de violência infantil?
Thalia Rosa Bitencourt
10 de Setembro de 2016
Pense por um instante no impacto que é descobrir que uma criança, próxima afetivamente de você, foi abusada sexualmente por um pai, padrasto, tio ou um avô. Agora, imagine se essa criança fosse você. Violar um corpo, especialmente de alguém tão indefeso, pode ser extremamente prejudicial para o desenvolvimento desses jovens. Pensando nisso, é que Luísa F. Habigzang e colaboradores realizaram, por meio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, uma pesquisa que avaliasse a eficiência de uma intervenção psicológica para essas crianças que foram violentadas.
Segundo o Portal Brasil, o abuso sexual é o 2º maior tipo de violência contra crianças e, para piorar, grande parte dos casos é de abuso intrafamiliar, praticado pelo sexo masculino. Além do sofrimento causado pela violência, a revelação e denúncia do abuso traz mudanças significativamente negativas na vida desses jovens. Em diversas situações, há a necessidade de retirar a vítima do âmbito familiar, já que esse pode apresentar risco à criança. O apoio que esta criança receberá dos cuidadores e do seu ciclo social influenciará diretamente na saúde psicológica da vítima.
As consequências dessa violação pode estender-se para sintomas de depressão e ansiedade, assim como quadros de transtorno do estresse pós-traumático (TEPT) e prejuízo no desempenho escolar, tornando o crime um grande problema de saúde pública. A psicologia é uma das áreas que tem colaborado para compreensão desse fenômeno, através do estudo sobre os fatores de risco a serem avaliados e o aprimoramento das psicoterapias para redução dos danos psicológicos.
A terapia cognitivo-comportamental (TCC) tem apresentado resultados animadores, por meio da eficácia e durabilidade de seus efeitos. Diversas pesquisas sobre essa abordagem têm surgido no meio acadêmico, tal como a de Habigzang e colaboradores. Estes autores avaliaram a efetividade da grupoterapia focada no abuso sexual, apoiada na abordagem da TCC.
Essa pesquisa contou com a participação de 10 meninas, entre 9 e 13 anos, que sofreram pelo menos um episódio de abuso sexual intrafamiliar. Os autores distribuíram as vinte sessões em três etapas: 1) a psicoeducação, que teve duração de sete semanas e consistiu em abordar o impacto afetivo da experiência de violência, reações dos familiares, aprender a nomear sentimentos e os expressar, reestruturar crenças disfuncionais e aprender técnicas de relaxamento muscular e respiração; 2) a inoculação do estresse, com cinco semanas, baseada em Treino de Inoculação do Estresse (TIE), que objetiva ativar a memória traumática e identificar os estímulos desencadeantes de lembranças intrusivas, com o propósito de aprender a controlar a intensidade das emoções e reestruturar a memória; e 3) a prevenção à recaída, feita durante oito encontros, com oficina de educação sexual, treino de habilidades, oficina sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, oficina de psicomotricidade, entre outras atividades.
Para verificar os efeitos das intervenções, aplicou-se uma bateria de testes em quatro momentos diferentes. O primeiro foi antes do início das sessões e os seguintes foram aplicados no final de cada uma das três etapas, procurando uma distribuição uniforme e longitudinal da aplicação dos testes. Os testes buscaram identificar uma possível melhora em sintomas depressivos, ansiosos, índice de estresse e crenças prejudiciais em relação ao abuso.
Habigzang e colaboradores discutem que "(…) no pré-teste foi verificado que sete das 10 participantes apresentavam quadro de TEPT e, ao término do processo terapêutico, o número de crianças com TEPT havia sido reduzido para dois.". Ademais, os resultados apontam que os sintomas de depressão, ansiedade, estresse e os pensamentos negativos acerca do abuso foram reduzidos, sustentando pesquisas anteriores que já indicavam a eficácia da Terapia Cognitivo-Comportamental. Também por meio da observação e autorrelato, verificou-se a melhora nos relacionamentos interpessoais e no desempenho escolar. Portanto, o estudo concluiu que a grupoterapia apoiada na abordagem da TCC pode ser uma intervenção eficaz para ajudar no tratamento psicológico de crianças vítimas de abuso sexual.
Implicações
Para refletir...
Essa intervenção pode ser replicada em programas públicos de saúde mental, beneficiando um maior número de crianças e adolescentes, a fim de que estes tenham um desenvolvimento mais saudável, do ponto de vista psicológico.
É possível especular que a grupoterapia, apoiada na abordagem da TCC, pode ser eficiente para outras condições envolvendo situações traumáticas, bem como para públicos de diferentes idades.
Limitações da pesquisa
Nesta pesquisa foram identificadas algumas limitações, como a falta de um grupo controle, ou seja, um grupo de meninas que não tivesse recebido esta intervenção e tivesse somente respondido aos testes. No entanto, entende-se a questão ética por trás dessa limitação, e a consequente dificuldade de criar tal grupo controle (mesmo que as meninas controle recebessem a intervenção ao término da pesquisa). A autora também explica a dificuldade de formar grupos homogêneos, com o mesmo sexo, nível socioeconômico e mesma gravidade do abuso para a adequada comparação de grupos. Além disso, é possível que houvesse um risco de perda de participantes do grupo controle pelo tempo de espera.
Outra limitação é que tanto a condução da intervenção, quanto a aplicação dos instrumentos, foi realizada pelas próprias terapeutas. Embora a maioria dos testes utilizados deixassem pouca margem para interferências da própria autora, o mais adequado seria que outros pesquisadores aplicassem os instrumentos, garantindo uma avaliação cega da intervenção.
Materiais Complementares
Para os interessados nos assuntos referentes à violência contra a mulher, abuso sexual e discriminação, o educador Jackson Katz apresentou uma palestra em um canal no Youtube, o TED Talks, cujo o objetivo é disseminar ideias. Katz amplia a visão dessas violações de Direitos Humanos, com uma linguagem simples e objetiva. Ele prende a atenção dos espectadores ao apresentar a violência não como um fato isolado, mas dentro de um sistema que a permite, também pontua os comportamentos que se naturalizaram dentro da sociedade e que podem estar favorecendo a manutenção dessas violações, como prestar atenção nas vítimas e nas ações que podem as colocar em risco, desviando a atenção do agressor e das situações desencadeadoras.
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