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Por que é tão difícil dizer não a um amigo?

Hiago Murilo de Melo

2016, 04 de Setembro.

Sem dúvidas, por mais que um amigo peça um favor difícil de ser realizado (como por exemplo, acordar as 7h da manhã de um domingo para ajudar a realizar uma mudança ou emprestar um dinheiro sem garantia de devolução), é muito difícil dizer “não” a alguém próximo e que mantemos boas relações. Você não acha?

Cotidianamente lidamos com propostas e ofertas que não gostamos ou que achamos injustas. Por que, mesmo quando não gostamos da proposta, o nosso cérebro  torna o “não” tão difícil de ser dito para amigos? Esta pergunta foi respondida por um grupo de cientistas brasileiros da Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo. Em seu experimento, o objetivo era investigar alterações eletrofisiológicas do lobo frontal durante a recepção de propostas injustas realizadas por amigos e desconhecidos.

Publicada em 2011 no Journal of Neuroscience, a pesquisa utilizou o Ultimatum Game (UG) para criar uma situação experimental de negociação financeira. Considerando as escolhas feitas ao longo do jogo, foram avaliadas a atividade elétrica do cérebro durante o mesmo, a porcentagem de aceites de propostas injustas e a percepção de justiça entre propostas oferecidas por um amigo e um desconhecido.

 

O UG é um paradigma onde o participante recebe propostas financeiras fictícias, devendo escolher se aceita ou não uma oferta, considerando que sempre terá que dividir uma parte da quantia com o proponente. Durante a atividade o participante recebe três tipos de ofertas, variando a porcentagem de quantia a ser distribuída entre o participante e o proponente: a) justa (50% do valor para o proponente e 50% para o participante); b) injusta (70% do valor para o proponente e 30% para o participante); c) muito injusta (80% do valor para o proponente e 20% para o participante ou 90% e 10%). As ofertas eram apresentadas 144 vezes, sendo 72 realizadas por um amigo e 72 pela pessoa desconhecida. Embora o participante não soubesse, a proporção de distribuição dos tipos de oferta era igual para ambos os proponentes (amigo e desconhecido).

Para participar da pesquisa, todos os participantes deveriam ir ao laboratório acompanhados de um amigo, com quem “supostamente” iriam realizar negociações financeiras, pois na verdade, essas já estavam pré-programadas no computador. A indicação de que a proposta era realizada por um amigo ou por um desconhecido era a apresentação da foto do rosto de cada um antes da proposta ser feita. Vale lembrar que para cada participante, os desconhecidos sempre eram do mesmo sexo do amigo convidado, e tinham aproximadamente a mesma idade.

A avaliação da atividade cerebral foi realizada através da Negatividade Frontal Medial (MFN). Este índice é mensurado pela atividade elétrica do cérebro sincronizada com a apresentação das propostas. Esta negatividade é calculada através da diferença entre as ofertas justas e injustas.

Como resultado, observou-se que quando comparados aos desconhecidos, os amigos foram considerados mais justos, mesmo que as porcentagens de distribuição dos tipos de oferta fossem iguais. Além disso, os participantes também aceitaram uma maior porcentagem de propostas injustas quando estas eram ofertadas pelos amigos.

Ainda, observou-se uma diferença na maneira como o cérebro processou as informações vindas do amigo. Nesta condição, a MFN inverteu sua polaridade, tornando-se positiva. Os autores discutem que este resultado tem relação com a atividade dopaminérgica da região. A dopamina geralmente é liberada através de experiências prazerosas, e tem a função de fazer com que o comportamento seja repetido novamente.

A hipótese dos pesquisadores considera que este padrão de atividade cerebral pode relacionar-se com: a) esperança ou crença de que por negociar com um amigo as negociações ao longo do aceite das respostas injustas se tornem mais justas; b) dificuldade de identificar razões para punir seu amigo; c) medo de prejudicar o valor da amizade.

Sendo assim, o estudo sugere que há diferenças na maneira em que processamos as informações vindas de um amigo. No caso de ofertas injustas, essas parecem não possuir um significado tão negativo quando vindas de uma pessoa próxima.

Para refletir...

Implicações

O resultado desta pesquisa tem implicações interessantes ao ambiente organizacional e do trabalho. Percebe-se que o estabelecimento de vínculos afetivos entre funcionários e chefes pode facilitar a aderência dos trabalhadores a situações mais “difíceis”, como um aumento das metas mensais ou a realização de horas extra sem aviso prévio. Ser amigos dos funcionários pode fazer com que eles “vistam a camiseta da empresa”. Caso você seja dono de uma empresa, preserve e cultive o vínculo afetivo com seus funcionários! Mas se você for um funcionário, fique atento ao equilíbrio saudável entre relações de amizade e sua jornada de trabalho!

Além desta aplicabilidade, esta descoberta científica pode ser aplicada em outros contextos onde existam negociações permeadas por relações afetivas, como em negociações da “data de prova” entre alunos e professores.

Limitações da pesquisa

Assim como a grande parte dos estudos científicos, este estudo possui limitações que devem ser consideradas. Alguns exemplos:

  • Não aprofundaram melhor as características da amizade entre os participantes, já que existem diversos motivos para nos tornarmos amigos de alguém. Perguntas ao final do experimento como “quais as características do laço de amizade que influenciam mais significativamente no resultado observado?“ poderiam nos ajudar a compreender melhor este fenômeno.

 

  • Não foram utilizadas recompensas com dinheiro real. Caso os participantes realmente fossem ganhar o dinheiro apresentado nas ofertas, é possível que as respostas fossem diferentes.

  • Ausência de informações sobre a percepção do participante sobre características físicas do desconhecido. Caso o desconhecido possuísse características especificas (tatuagens, barba ou piercings, por exemplo), a visualização destas características estéticas poderia fazer com que fosse criado um estereótipo sobre o desconhecido que influenciasse também na hora da negociação.

  • Não mencionaram se escolheram participantes de grau socioeconômico semelhante. Isto é relevante, pois de acordo com a necessidade de dinheiro no dia-a-dia, as pessoas podem aceitar propostas injustas mais naturalmente, em função da necessidade do dinheiro.

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Como citar este texto:

 

Melo, H. M. (2016, 04 de Setembro). Por que é tão difícil dizer não a um amigo? (Website Alfabetização Científica em Psicologia). Recuperado de http://alfabetizacaopsico.wixsite.com/home/materia-1-1

 

Referência:

 

O artigo Responding to unfair offers made by a friend: neuroelectrical activity changes in the anterior medial prefrontal cortex (2011) de Campanha e cols. pode ser acessado clicando aqui!

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