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Qual a relação entre o traço mindfulness e o estresse em profissionais da saúde primária?

Bruna Maffei

8 de Agosto de 2017

Você já ouviu falar em mindfulness? Provavelmente sim. Tem havido um crescente interesse em pesquisas que visam estudar a relação entre o traço mindfulness, bem-estar e estresse em diferentes áreas da saúde.

Nessa perspectiva, um estudo realizado pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) buscou avaliar se haveria relação entre os níveis de mindfulness e o relato de estresse percebido e bem-estar subjetivo em profissionais da saúde primária no Brasil. O artigo foi publicado em 2015 na revista BioMed Central Complementary and Alternative Medicine.

Inicialmente, o artigo apresenta o conceito de mindfulness. No presente estudo, os autores investigaram o traço de mindfulness, o qual envolve a capacidade psicológica de autorregulação, em que a atenção está voltada à experiência do momento presente. Além disso, esta atenção deve ser acompanhada de uma consciência não julgadora e de uma atitude de abertura e aceitação das experiências decorrentes de eventos internos e externos. Discute-se que uma das formas de melhor desenvolver o traço mindfulness é através da meditação.

 

Os autores também salientam que o estresse é bastante prevalente em profissionais da atenção primária no Brasil, sendo considerado um problema que afeta a sua saúde e que desencadeia sintomas de burnout. O impacto na saúde desses profissionais pode ainda ter repercussões na qualidade do serviço prestado à população.

Dessa forma, as hipóteses dos autores eram: 1) quanto mais acentuado o traço mindfulness, menor seria o índice de estresse percebido e maior seria o nível de bem-estar subjetivo (em que mindfulness se correlacionaria positivamente com afeto positivo e negativamente com afeto negativo); 2) profissionais com mais tempo de serviço e o tipo da categoria profissional teriam influência no estresse percebido, nos níveis de mindfulness e no bem-estar.

Participaram 450 profissionais que trabalhavam nas unidades básicas de atenção primária em uma cidade de São Paulo. Dentre eles estavam agentes de saúde comunitária (65,8%), técnicos de enfermagem (18,2%), enfermeiros (10%) e médicos de família (6%).

Foram aplicados um questionário sociodemográfico, uma escala que avalia o nível do traço mindfulness (Mindful Attention Awareness Scale - MAAS), uma escala de estresse percebido (Perceived Stress Scale - PSS) e um instrumento que mensura o  bem-estar subjetivo (Subjective Well-being Scale - SWS) através das escalas de afeto positivo (Subjective Well-being Scale –  Positive Affect), afeto negativo (Subjective Well-being Scale - Negative Affect) e satisfação com a vida (Subjective Well-being Scale - Satisfaction with life). Os instrumentos foram respondidos coletivamente durante o horário de trabalho. Através de análises estatísticas identificou-se o predomínio do sexo feminino (423 profissionais), representando 94% da amostra.

 

Com relação ao estresse percebido e bem-estar subjetivo, os maiores níveis de estresse foram observados entre os enfermeiros (β = 5,5, p = 0,032) e os agentes de saúde comunitária (β = 4,0, p = 0,022). Os enfermeiros (β = -6.5, p = 0.039) e os agentes de saúde (β = -6.5, p = 0.02) também apresentaram os menores escores de afeto positivo. Ainda, tanto os enfermeiros (β = 10.9, p = 0.002), como os agentes de saúde (β = 6.3, p = 0.004) obtiveram altos níveis de afeto negativo. O estudo ainda evidenciou que os agentes comunitários eram os que estavam menos satisfeitos com a vida (β = -7,9, p <0,001).

Esses níveis de estresse e bem-estar subjetivo (afetos positivo, afeto negativo e satisfação de vida) deixam essas categorias profissionais ainda mais vulneráveis ao desenvolvimento de sintomas de burnout. Os dados reforçam ainda que esses profissionais estão sob tensão. Para os enfermeiros, o alto nível de estresse pode estar relacionado com a intensa responsabilidade e a alta carga de trabalho. Já no caso dos agentes comunitários, por atuarem diretamente na comunidade, normalmente presenciam violência, pobreza e doenças infecciosas. Isso favorece o maior envolvimento com o sofrimento dos usuários, o que pode explicar a baixa satisfação com a vida.

Quanto ao tempo de trabalho, 83,1% trabalhavam na mesma profissão há mais de um ano. Estes em comparação com os que atuavam há seis meses ou menos, mostraram diferenças significativas no bem-estar subjetivo, demonstrando menor afeto positivo (β = -9,0, p <0,001), aumento no afeto negativo (β = 5,3, p= 0,020) e diminuição da satisfação com a vida (β = -5,0, p = 0,023). Eles também mostraram maior diferença no estresse (β = 4,8, p = 0,08). Esses resultados justificam futuros estudos para melhor compreender como esses sentimentos podem evoluir para o desgaste ao longo do tempo e a sua relação entre tempo de trabalho e sintomas de burnout.

Já quanto aos níveis de mindfulness, tais resultados corroboram as hipóteses levantadas pelos autores. O estudo evidenciou forte correlação entre mindfulness e estresse (r = -0,541; p <0,001). Assim como mindfulness se correlacionou positivamente com afetos positivos (r = 0,451; p <0,001) e satisfação com a vida  (r = 0,380; p <0,001) e negativamente com afetos negativos (r = -0,468; p <0,001). Os resultados mostraram ainda que os menores níveis de mindfulness foram encontrados em médicos (β= -20,1, p <0,001) e enfermeiros (β = -9.9, p = 0.002). Segundo os autores, esse resultado pode ser compreendido pelo alto nível de estresse observado, e possivelmente pela falta de comunicação e de organização entre as categorias, assim como pela falta de profissionais entre a equipe médica na atenção primária. Esses aspectos, associados às condições precárias de trabalho, potencializam os resultados negativos à saúde dos envolvidos.

Através desses resultados, pode-se sugerir que à medida que os profissionais conseguem voltar a atenção e consciência ao momento presente, eles tendem a prestar menos atenção em seus pensamentos ruminativos e de preocupação, reduzindo a resposta de estresse. Dessa forma, quando o indivíduo consegue relacionar-se com as experiências agradáveis e desagradáveis de forma aberta, sem críticas e julgamentos, aumenta sua clareza sobre as situações, assim como sua capacidade de suportar a exposição à experiência.

Em suma, a relevância desse estudo se dá por ter sido o primeiro a avaliar a relação entre o traço mindfulness, o estresse e o bem-estar subjetivo em profissionais da atenção primária no Brasil. A partir desses dados, é possível ter uma visão de como diferentes categorias profissionais da saúde estão vulneráveis ao estresse, sendo que para alguns profissionais o traço mindfulness parece uma possível proteção contra o mesmo. Estes dados apoiam a realização de estudos que testem intervenções destinadas a esse público para diminuir sintomas de estresse, aumentar os níveis de mindfulness e bem-estar e melhorar o serviço como um todo.

Para refletir...

Implicações

Diante dos resultados desta pesquisa, fica evidente a importância do cuidado à saúde dos profissionais da atenção primária, visto que estes também estão suscetíveis a altos índices de estresse. Neste estudo, os elementos apresentados podem apoiar a promoção de intervenções que desenvolvam o traço mindfulness, o bem-estar e diminuam os níveis de estresse. Uma proposta é o desenvolvimento de práticas de meditação com os profissionais. Atividades desse tipo são importantes a fim de aumentar as habilidades de voltar a atenção e consciência ao momento presente, promovendo a capacidade de se manter aberto às experiências agradáveis​ ou desagradáveis, sem julgamento e ruminação. Isso pode levá-los a experiências mais reais e saudáveis e consequentemente ter repercussões positivas na qualidade do atendimento ao usuário.

Outra possibilidade é a realização de reuniões de equipe para abordar dificuldades no trabalho, a fim de melhorar a comunicação, organização das atividades e o funcionamento do serviço.

Limitações da pesquisa

Algumas limitações devem ser consideradas:


1. A coleta de dados foi realizada no ambiente de trabalho e de forma coletiva. Neste caso, pode ter predisposto os participantes ao viés da desejabilidade de respostas por estarem no seu contexto de trabalho. A aplicação de forma coletiva pode ter sido um fator ansiogênico, uma vez que não se sabe como os mesmos foram dispostos em questão de espaço físico.

 

2. A amostra foi composta em sua maioria por agentes comunitários (65,8%). Essa disparidade entre as categorias profissionais influencia a comparação entre elas. Principalmente porque as demais profissões representaram uma porcentagem significativamente menor, como os técnicos de enfermagem (18,2%), enfermeiros (10%) e médicos de família (6%). 

 

3. O estudo teve como população alvo os profissionais de saúde primária, mas não abarca todas as profissões que lá atuam, como por exemplo, psicólogos, fisioterapeutas, dentistas, nutricionistas, dentre outros.

 

4. A coleta ocorreu exclusivamente através de instrumentos de autorrelato, o que envolve um potencial viés de motivação, bem como de compreensão correta das questões por parte dos participantes. Esses aspectos podem influenciar os resultados obtidos.

Materiais Complementares

Artigo: Redução de estresse baseada em Mindfulness para médicos generalistas: Resultados de um estudo piloto de métodos mistos controlados na Atenção Primária Holandesa.

Autores: Hanne Verweij, Ruth C. Waumans, Danique Smeijers, Peter L. B.J.  Lucassen, A Rogier T. Donders, Henriëtte E van der Horst e Anne E. M. Speckens

Ano de publicação: 2016

Revista: British Journal of General Practice                      

Fator de impacto: 2,760

Descrição: O estudo buscou avaliar a viabilidade e os efeitos da intervenção de um Programa de Redução de Estresse baseado em Mindfulness em relação aos níveis de burnout, engajamento no trabalho, empatia e níveis de Mindfulness. Participaram da pesquisa 50 médicos generalistas que atuavam na atenção primária na Holanda. Os participantes foram divididos em dois grupos, sendo que um grupo participou da intervenção e o outro era o grupo controle.

O grupo de intervenção realizou oito encontros e um dia de retiro de silêncio. Os instrumentos de coleta de dados foram aplicados antes e depois da intervenção. Os mesmos avaliavam níveis de burnout (Utrecht Burnout Scale for Contactual Occupations – UBOS-C), engajamento no trabalho (Utrecht Work Engagement Scale), empatia (Jefferson Scale of Empathy - JSE) e níveis de Mindfulness (Facet Mindfulness Questionnaire - FFMQ). Já na última sessão, os médicos generalistas também foram questionados sobre o que eles haviam aprendido com a intervenção. Dentre os principais resultados obtidos estão a redução dos níveis de burnout e aumento nas habilidades relacionadas à Mindfulness. Os dados qualitativos indicaram que a intervenção possibilitou aumento do bem-estar, compaixão com eles mesmos e com os outros. Esses resultados indicam a viabilidade do programa de redução do estresse para médicos generalistas. Resultados como esses corroboram a importância de intervenções para a promoção de saúde em profissionais da atenção primária, como programas baseados em Mindfulness.

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Como citar este texto:

 

Maffei, B. (2017). Qual a relação entre o traço mindfulness e o estresse em profissionais da saúde primária? (Website Alfabetização Científica em Psicologia). Recuperado de:  http://alfabetizacaopsico.wixsite.com/home/1

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Referência:

O artigo  Mindfulness, perceived stress, and subjective well-being: a correlational study in primary care health professionals, de Atanes e cols. (2015), pode ser lido na revista BMC complementary and alternative medicine clicando aqui. 

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